Direito Penal Econômico: Notas introdutórias de sua eficácia e delimitação de atuação na dogmática penal

Direito Penal Econômico: Notas introdutórias de sua eficácia e delimitação de atuação na dogmática penal

O Direito Penal Econômico é um ramo do Direito Penal que trata das infrações contra a ordem econômica, ou seja, sanciona determinadas condutas que afetam sensivelmente as relações econômicas. Como delimitar seu alcance? E limites?

INICIAL FORMULAÇÃO DE UM CONCEITO DE DIREITO PENAL ECONÔMICO E DE CRIME ECONÔMICO.

A Economia é um campo extremamente sensível e ataques efetivados contra ela merecem pronta repreensão, isso por causa do forte reflexo social que ela traz.

A afetação da sociedade e de empresas com os impactos do desequilíbrio econômico são fortes, portanto, fulcral para o bom fluir da economia é o Estado atuar, ante a falibilidade da auto-regulação dos mercados.

A Intervenção Estatal na Economia é constitucionalmente legitimada e dessa forma, por ser um valor com respaldo magno, a intervenção dos demais campos na contenção dos ilícitos econômicos, sejam eles de âmbito administrativo ou merecedores de reprimenda penal, se justificam.

José Afonso da Silva assinala:

A atuação do Estado, assim, não é nada menos do que uma tentativa de pôr ordem na vida econômica e social, de arrumar a desordem que provinha do liberalismo. Isso tem efeitos especiais, porque importa em impor condicionamentos à atividade econômica, do que derivam os direitos econômicos que consubstanciam o conteúdo da constituição econômica [1]...

Ante a necessidade de um controle efetivo dos ataques à ordem econômica, o ilícito foi repartido de acordo com o bem jurídico entre penais e não penais.

O Direito Penal Econômico é um ramo do direito penal que trata das infrações contra a ordem econômica, ou seja, é uma área do direito penal que sanciona determinadas condutas que afetam sensivelmente as relações econômicas lesando bens jurídicos penais, ultrapassando as raias do mero ilícito administrativo-econômico.

Ou, conforme o autorizado ensinamento de Manoel Pedro Pimentel: “o conjunto de normas que tem por objeto sancionar, com as penas que lhe são próprias, as condutas que, no âmbito das relações econômicas, ofendam ou ponham em perigo bens ou interesses juridicamente relevantes” [2].

Na senda do crime econômico, temos que a atuação ilícita dá com uma maximização organizacional tendente a buscar enriquecimento indevido, mediante o uso de fraudes, dissimulações, incidindo diretamente sobre os fatores motrizes da economia, em especial, blindando-se em pessoas jurídicas desenvolvendo atividades em várias áreas, como tributária, empresarial, trabalhista, cível, mas, sempre com o olhar focado na obtenção de lucros e lesão a economia.

A idéia supramencionada é amparada no pensamento de Paulo Salvador Frontini [3] correlaciona-se diretamente com o crime organizado, pois ampara em forte logística e em avançados métodos de proliferação do crime.

Essa visão parte da premissa de que todo crime econômico é amparado em uma sólida reunião de agentes engajados com o firme fim de lesar a economia.

Tem-se que o ilícito penal econômico é uma norma penal tipificando ataques frontais aos pilares fundamentais da atividade economia, afetando o bom fluir e evoluir da política econômica estatal, independendo do meio a ser utilizado, como salienta Manoel Pedro Pimentel.

Dessa forma, com a delimitação do bem jurídico como sendo a economia, afastam-se as demais formas de crimes que atingem outros interesses similares como os falimentares, os que atingem as finanças públicas, etc.


2.) AS NOTAS DISTINTIVAS DO CRIME ECONÔMICO.

O crime econômico possui alguns traços que o diferenciam dos demais, mas que, por outro lado, o aproxima também do crime organizado em alguns aspectos.

A formação de um crime econômico passa por alguns traços identificadores e individualizantes:

* infiltração no governo como meio de corrupção;

* adoção da estrutura societário – empresarial;

* intervenção em atividades econômicas de terceiros de forma sub-reptícia;

* poder de interferir especulando na economia;

* incriminação por meio de delitos de perigo abstrato, por meio de uma antecipação dos estados de risco;

* objetivando sempre a rentabilidade da atividade em detrimento a economia;

* transnacionalidade das células criminosas;

Diante desses fatores, o crime econômico se depara com um Estado e um mundo que não estão suficientemente adaptados para puni-los eficazmente, o que gera uma hipótese perigosa, como lembra Luciano Nascimento Silva:

Essa nova espécie de criminalidade introduzida pelo processo de globalização da economia, desenvolvida em ambiente macro, mais especificamente, nos processos de integração econômica, tem como protagonistas personagens que sempre figuraram a frente do processo de desenvolvimento econômico das chamadas nações civilizadas. No entanto, nunca fora alcançada uma magnitude tão maléfica dos seus efeitos como a atual. Uma ofensividade de ordem econômica, política e social, nunca vista. É verdadeiramente a criminalidade dos poderosos. A realidade do novo poder hegemônico global é denunciada por ZAFFARONI, pela forma irracional em comparação com os modelos imediatamente anteriores de poder mundial, a constatação do atual modelo é que as condutas que antes eram tipificadas como delitos contra a economia nacional, como alterações artificiais de mercados, acesso à informações confidenciais, evasões impositivas, monopólios e oligopólios, incluindo condutas que norteiam as tipicidades nacionais de delitos menos sofisticados, como extorsão, são agora condutas licitas na economia mundial. Tudo isso é denunciado face a ausência de um poder regulador de amplitude internacional, é a materialização do foro internacional da impunidade, com uma prática reiterada em proporções inidentificáveis [4].


3.) CRIME DO COLARINHO BRANCO E SUA CARACTERIZAÇÃO:

Crime do Colarinho Branco é uma denominação elaborada por Sutherland, estribada em elementos personalíssimos do agente, focada no sujeito ativo dos crimes contra a ordem econômica, onde o agente que comete o crime é uma pessoa de respeitabilidade, de notoriedade dentro do meio negocial.

O conceito do criminólogo americano amparou-se em 5 aspectos fundamentais:

* ilícito não era tão somente penal, mas também civil e administrativo;

* respeitabilidade do sujeito ativo

* elevado estatuto social

* delitos praticados relacionando a vida privada do agente com a profissional

* violação da confiança

Destacam-se, ainda, outros elementos objetivamente apuráveis hodiernamente introduzidos por pensadores americanos e britânicos como Howard Becker e Edelhertz ao conceito:

* impunidade das condutas abrangidas;

* danosidade social;

* custo financeiro do crime praticado;

* “democratização” do alcance dos tipos incriminadores, atingindo toda a população não só os mais bem abastados;

Contudo, verificamos uma nova vertente definindo os White collar criminals cuja elaboração partiu de Klaus Tiedemann que assinala:

A principal característica do crime econômico deve procurar-se menos na personalidade do delinqüente e na sua presença às classes sócio-económicas superiores do que na específica forma da sua actuação e não no objeto dos seus actos [5].

A fusão dos elementos objetivo e subjetivo dá o real significado do criminoso do colarinho branco que seria um agente com notória respeitabilidade negocial, praticados com ampla violação de confiança, onde por intermédio de sua infiltrabilidade comete lesões ao sistema econômico, com alta danosidade das condutas, elevado custo financeiro e impunidade ante o “pouco impacto” social dos crimes.


4.) BENS JURÍDICOS TUTELADOS NOS CRIMES ECONÔMICOS.

Manoel Pedro Pimentel elucida que:

O Direito penal econômico, portanto, é um sistema de normas que defende a política econômica do Estado, permitindo que esta encontre os meios para a sua realização. São, portanto, a segurança e a regularidade da realização dessa política que constituem precipuamente o objeto jurídico do Direito penal econômico [6].

O conceito de bem jurídico tutelado pelo direito penal econômico deve afastar bens pertencentes a áreas congêneres, tais como direito penal tributário, os crimes contra a administração pública, direito penal financeiro, dentre outros. Ocorre que o termo da ordem econômica abrange outros bens, tais como o patrimônio público, o comércio, a fé pública, a administração pública.

Então, temos como bens a serem tutelados em sentido amplo, a ordem tributária (protege-se a tributação, como forma principal de renda, defendendo a arrecadação tributária), o sistema financeiro (tutela à política financeira do Estado, em especial, cuidando da receita e despesas públicas, por meio de um austero controle), a administração pública (descumprimento dos deveres de probidade, moralidade da sociedade para consigo mesmo).

Delimitam-se o campo de incidência dos tipos penais incriminadores dos ilícitos da ordem econômica como apenas naqueles fatos que lesam a estabilidade e a base da política econômica do estado.

Raul Machado Horta ensina com propriedade:

A Ordem Econômica e Financeira não é ilha normativa apartada da Constituição. É fragmento da Constituição, uma parte do todo constitucional e nele se integra. A interpretação, a aplicação e a execução dos preceitos que a compõem reclamam o ajustamento permanente das regras da Ordem Econômica e Financeira às disposições do teto constitucional que se espraiam nas outras partes da Constituição.

A Ordem Econômica e Financeira é indissociável dos princípios fundamentais da República Federativa e do Estado Democrático de Direito. Suas regras visam atingir os objetivos fundamentais que a Constituição colocou na meta constitucional da República Federativa. A Ordem Econômica e Financeira é, por isso, instrumento para construção de uma Sociedade livre, justa e solidária.

É a fonte das normas e decisões que permitirão à República garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza, a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação [7].


5.) TRATAMENTO PENAL DIFERENCIADO PARA OS CRIMES ECONÔMICOS

Os crimes econômicos merecem atualmente um tratamento mais condigno com a criminalidade que se deseja combater, portanto, uma mudança de paradigmas.

A estrutura dos tipos penais deve ser delimitada ao extremo, deixando extreme de dúvidas eventuais problemas de adequação típica, com descrições amplas que submetem a tipicidade ao talante do julgador, gerando imprecisão e insegurança jurídica.

A Lei Penal deve ser clara, precisa e adequada, uma lex certa, elaborada por juristas, mas com auxílio de economistas para que se evite uma parafernália penal imprestável e inútil, funcionado como eficaz máquina de escape para a atípia pela excessiva amplitude de seus termos.

A aplicação do princípio da ultima ratio (caráter subsidiário do direito penal [8]) deve ser rememorado, pois apenas as agressões intensas devem ser sopesadas com o arcabouço penal, deixando, assim, uma parcela do controle de atos ilegais ao CADE e a outros órgãos que podem fazer a repressão dos atos lesivos à ordem econômica, pois por intermédio de multa e análise de legalidade de atos.

Outro ponto que merece consideração é o destacado por José de Faria Costa e Manoel da Costa Andrade:

A descrição das condutas proibidas implica normalmente o recurso à técnica do reenvio, isto é, a identificação de factos relevantes por remissão para fora do direito penal. O que comporta o perigo da falta de clareza e de rigor bem como da delegação excessiva do poder legislativo em favor da administração. A conduta ou o resultado proibidos devem ser especificados pela própria lei penal. A respectiva interpretação e aplicação deve obedecer aos princípios comuns do direito penal [9].

O crime econômico deve se atentar ainda a evitar a utilização excessiva de crimes de perigo abstrato e tentar arduamente eliminar brechas que possam ensejar responsabilidade objetiva ou um direito penal do autor subvertendo os mais comezinhos postulados penais.

Há de ser estimulado a formação urgente de um direito penal de cooperação internacional, isso amparado em uma macrocriminalidade multinacional que possui longos desdobramentos.

O Colóquio internacional da AIDP sugere a responsabilização penal da pessoa jurídica, cuja previsão, aliás, até existe em nível constitucional (artigo 173, p. 5º, CR), mas que, dentro da sistemática constitucional pátria, ao nosso ver, se encontra fulminada pela aplicação da teoria das normas constitucionais inconstitucionais de Otto Bachoff, ante a individualização da pena e necessária aferição da culpabilidade.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ANDRADE, Manoel da Costa; COSTA, José Faria. Sobre a concepção e os Princípios do Colóquio Preparatório da AIDP. in Temas de Direito Penal Econômico. Org: Roberto Podval. 1ª Ed. RT. 2001.

FRONTINI, Paulo Salvador. Crime Econômico por meio da empresa. Relevância da Omissão causal. Revista de Direito Mercantil, vol. 5, ano XI.

HORTA, Raul Machado. Estudos de Direito Constitucional. 1ª Ed. Del Rey. Belo Horizonte. 1995.

PIMENTEL. Manoel Pedro. Direito Penal Econômico. 1ª Ed. RT. São Paulo. 1973.

SANTOS, Cláudia Cruz. O Crime de colarinho branco in Temas de Direito Penal Econômico. Org: Roberto Podval. 1ª Ed. RT. 2001.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ª Ed. Malheiros. São Paulo. 2000.

SILVA, Luciano Nascimento. O moderno Direito Penal Econômico. A Ciência Criminal entre o econômico e o social. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 225, 18 fev. 2004. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4840>. Acesso em: 02 jun. 2005.

TIEDEMANN, Klaus. Aspects criminologiques de la délinquance d´ affaires – études relatives à la recherche criminologique. vol. XV. Conseil de l´ Europe. 1997.



[1] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ª Ed. Malheiros. São Paulo. 2000. p.764.

[2] PIMENTEL. Manoel Pedro. Direito Penal Econômico. 1ª Ed. RT. São Paulo. 1973. p.10.

[3] FRONTINI, Paulo Salvador. Crime Econômico por meio da empresa. Relevância da Omissão causal. Revista de Direito Mercantil, vol. 5, ano XI, p. 42/43 Apud PIMENTEL, Manoel Pedro. Op. cit. p. 22/23.

[4] SILVA, Luciano Nascimento. O moderno Direito Penal Econômico. A Ciência Criminal entre o econômico e o social. Jus Navigandi, Teresina, a. 8, n. 225, 18 fev. 2004. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=4840>. Acesso em: 02 jun. 2005.

[5] TIEDEMANN, Klaus. Aspects criminologiques de la délinquance d´ affaires – études relatives à la recherche criminologique. vol. XV. Conseil de l´ Europe. 1997. p.10 Apud SANTOS, Cláudia Cruz. O Crime de colarinho branco in Temas de Direito Penal Econômico. 1ª Ed. RT. 2001. p. 197.

[6] PIMENTEL, Manoel Pedro. Op. cit. p. 21.

[7] HORTA, RAUL MACHADO. Estudos de Direito Constitucional. Belo Horizonte. Del Rey. 1995, p.301.

[8] COSTA, José de Faria; ANDRADE, Manoel da Costa. Sobre a concepção e os Princípios do Colóquio Preparatório da AIDP. in Temas de Direito Penal Econômico. 1ª Ed. RT. 2001. p. 118/119.

[9] Ibid, Ibidem. p. 119.

Sobre o(a) autor(a)
Flávio Augusto Maretti Siqueira
Advogado, Pós Graduado pela FDDJ e Pós Graduando em Direito Penal e Processo Penal na UEL.
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