Prisão: uma discussão oportuna

Prisão: uma discussão oportuna

Discute a crise que o atual sistema penitenciário está passando, apontando direitos e garantias fundamentais que constam na CF, apresentando soluções para tal crise.

I "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto" (Rui Barbosa).


Respeito ao preso como ser humano

Sabe-se que o Direito e a sociedade estão entrelaçados, porque o Direito surge das necessidades fundamentais da sociedade humana, tendo que acompanhar a evolução e transformações que passamos ao longo da história.

O Direito nos proporciona segurança e nos dá condições de viver em um mundo equilibrado, de forma que somos regidos pelas normas que formam a ordem jurídica. Quando violados os bens mais importantes da vida social, diz-se que ocorreu um ato ilícito penal.

O Direito Penal surge exatamente nesse momento, para aplicar sanções àquele que praticou tal ato, seja privando-lhe ou dando-lhe parcialmente a liberdade.

A justiça procura trabalhar da maneira mais sensata possível, constrangendo o autor da conduta punível a submeter-se a um mal que corresponda em gravidade ao dano por ele causado. Com isso, a justiça espera que seja combatido o crime.

É opinião unânime que o atual Sistema Penitenciário Brasileiro está passando por uma crise, trabalhando de forma negativa, sendo elemento potencializador da capacidade criminosa do indivíduo. Quando discutido tal tema, várias soluções são apresentadas, umas coerentes, outras deveras polêmicas. A verdade é que não é fácil governar uma nação, principalmente o Brasil e, ainda, tirar da lama um sistema penitenciário tão ultrapassado, que parece mais uma massa falida do que uma sociedade de pessoas corrompidas.

O sistema penitenciário no Brasil apresenta inúmeros problemas. A ausência de respeito aos presos, a ausência de um tratamento médico regular, ausência de atividades laborativas dentro dos presídios, a superpopulação carcerária e processo de desumanização do preso, fazem com que ocorram constantes rebeliões, demonstrando, de forma trágica, o inconformismo daqueles que se encontram privados de seus direitos elementares.

A influência deste ambiente hostil não beneficia o processo de ressocialização do detento. Na verdade, o preso é forçado a esquecer a vida existente do lado de fora dos portões de aço, causando-lhe traumas profundos. Dessa forma esse encarcerado apresenta ansiedade, angústia e medo de não se readaptar novamente ao mundo livre, mostrando que não há qualquer preocupação com a ressocialização do detento dentro dos presídios.

É certo que ao cometer um crime o agente ativo não está se comportando de maneira honesta para com os seus similares, porém, o preso que está condenado à pena privativa de liberdade não desmerece desse princípio, e também não há de merecer a impunidade. O homem é considerado o centro do universo social e jurídico, conquanto o respeito à vida, à imagem e à dignidade da pessoa humana não sejam respeitados dentro daquele confinamento, sonegando, todo e qualquer direito fundamental que o homem tem.

Nesta trilha, o direito de punir deve levar em conta a noção de que o caráter da pena é reparar o mal cometido pelo infrator. Seus efeitos devem causar impressão sobre os sentidos e o espírito, tanto do culpado quanto da sociedade, para que dessa forma haja a intimidação de futuros agressores e a satisfação dos cidadãos que estão à mercê do perigo da marginalidade. Se o direito de punir for de encontro aos princípios que protegem os detentos, caracteriza abuso e não justiça.

A exposição de César Barros Leal (1998, p. 87-8) revela a realidade da falida instituição carcerária, revelando a falta de dignidade humana que ali existe:

[...]

De fato, como falar em respeito à integridade física e moral em prisões onde convivem pessoas sadias e doentes; onde o lixo e os dejetos humanos se acumulam a olhos vistos e as fossas abertas, nas ruas e galerias, exalam um odor insuportável; onde as celas individuais são desprovidas por vezes de instalações sanitárias; onde os alojamentos coletivos chegam a abrigar 30 ou 40 homens; onde permanecem sendo utilizadas, ao arrepio da Lei 7.210/84, as celas escuras, as de segurança, em que os presos são recolhidos por longos períodos, sem banho de sol, sem direito a visita; onde a alimentação e o tratamento médico e odontológico são muito precários e a violência sexual atinge níveis desassossegantes? Como falar, insistimos, em integridade física e moral em prisões onde a oferta de trabalho inexiste ou é absolutamente insuficiente; onde os presos são obrigados a assumirem a paternidade de crimes que não cometeram, por imposição dos mais fortes; onde um condenado cumpre a pena de outrem, por troca de prontuários; onde diretores determinam o recolhimento na mesma cela de desafetos, sob o falso pretexto de oferecer-lhes uma chance para tornarem-se amigos, numa atitude assumida de público e flagrantemente irresponsável e criminosa?

Ao silenciar, o vilão dessa atual forma de ressocialização será o condenado, como também, a sociedade, que se encontra do lado de fora das prisões, esperando o próximo delinqüente "recuperado" ser posto em liberdade.

Parece falso moralismo discutir a dignidade do presidiário, diante da realidade criminal que se instalou no País. É provável que tal debate cause aversão à sociedade sobressaltada, amedrontada e insegura ao sair às ruas, preste a sofrer um ataque de violência a qualquer instante.

É preciso provar à sociedade civil e ao Estado, porém, que por pior que seja o delinqüente, a estigmatização brutal muitas vezes modifica a sua condição humana, despojando-o de seus direitos. A situação em que são colocados os presos corrompe-os definitivamente, trazendo um mal muito maior ao convívio social quando postos em liberdade.

A vigente Carta Magna tem como fundamento, assegurando a qualquer cidadão, a dignidade da pessoa humana, conforme preceituado no seu art. 1º, Inciso III. Não há dúvida de que esse princípio é basilar, haja vista que se encontram nele o respeito ao próximo e a consideração essencial para que se possa viver em harmonia. A dignidade que aqui se discute se refere ao valor moral e espiritual da própria pessoa humana.

A dignidade da pessoa humana não é a garantia única fundamental discutida na Constituição Federal. Entre outras previstas no art. 5º, tem-se a determinação de que nenhuma pena passará da pessoa do preso, ou seja, deve atingir, única e exclusivamente a ele, o que caracteriza a pessoalidade; a pena deve ser cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado; é assegurado aos presos o respeito à integridade moral e física; às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação; e, ainda, a Resolução de 11 de novembro de 1994 fixou regras mínimas para o tratamento do preso no Brasil independentemente da natureza racial, social, religiosa, sexual, política, idiomática ou de qualquer outra ordem, levando-se em consideração a idéia de que o Estado, imperiosamente, deve indenizar o condenado que por erro judiciário for preso ou ficar preso além do tempo fixado na sentença.

Em entrevista feita pela revista Consulex, indagando sobre o respeito aos princípios da dignidade dos carcerários a Elói Pietá, há a revelação de que, de fato, não são respeitados:

CONSULEX – Segundo a legislação brasileira, os presos não teriam que ser separados por categorias?

Elói Pietá – Em nosso País estas regras são observadas apenas na separação dos sexos. Entre os homens, porém, por razões de garantia de vida, os únicos presos a terem um lugar separado são os estupradores, pois eles são odiados pelos demais.

Outro tipo que é separado dos demais presos é o preso rico, que tem curso universitário, com direito a cela especial, em geral uma sala num quartel da Polícia Militar. Só que, neste caso, é desrespeitada outra regra mínima da ONU, que estabelece que não se faça distinção de tratamento entre presos fundada em preconceitos, entre eles, o de fortuna.

Quanto aos alojamentos, assistência médica e outras recomendações da ONU, evidentemente que nossas prisões estão muito longe delas.

Polêmico é trazer à tona que a prisão não é a única resposta do Estado ao violador de direitos. Alguns crimes e as contravenções penais são punidos com as denominadas penas restritivas de direitos.

Não basta ao condenado estar preso, dessa forma ele estará preso ao seu “eu”, preso aos outros marginais, preso à falta de liberdade e da convivência em sociedade, estará ele, o condenado, sendo privado de conviver com pessoas que poderiam estar ajudando na sua recuperação e educação.

A prisão é uma velha resposta punitiva. O Sistema Penitenciário Brasileiro de hoje está passando por uma crise, sem condições de oferecer qualidade, oportunidade e, muito menos, a recuperação do condenado.

Por isso, diz-se que as pessoas preferem ignorar o problema a ter que se confrontar com a sede de justiça e com a mudança. Olhando por esse aspecto, verifica-se que as frestas deixadas pelo legislador nos levam a saídas polêmicas, mas plausíveis.

Vislumbra-se a necessidade de adequar as regras das penas privativas de liberdade à evolução do direito penal. Deve-se reconhecer que a execução de pena restritiva é a melhor escolha para não estigmatizar tão brutalmente o condenado.

O Sistema Penitenciário Brasileiro está em deplorável condição e os presídios e casas de detenção não são a melhor saída para a solução da criminalidade.

As penas restritivas de direitos vêm se mostrando a saída mais inteligente para recuperação do delinqüente, tendo em vista que dessa forma há a reinclusão social, pois é oferecido oportunidade.

O Sistema Penitenciário Brasileiro não oferece boas condições de prestação de serviços como forma de ensejo de trabalho aos condenados, o que, talvez, seria uma saída para tal crise.

Diante disto, as penas restritivas de direito oferece tal ensejo, e, isto posto, conclamamos os ilustres legisladores acatarem a melhor saída para que possamos viver em sociedade harmoniosa e satisfeita.

A restrição ao máximo à aplicação da pena privativa de liberdade, substituindo-as pelas chamadas penas alternativas, é uma saída que já tem sido usada pela Organização das Nações Unidas (ONU).

Beneficiando, os condenados, com o livramento condicional, seria uma maneira de lhes dar oportunidade de recuperação.

Mas como seria tal recuperação?

Como uma das saídas possíveis, o condenado teria que prestar serviços sociais. Prestando tais serviços, não teria o convívio direto com outros criminosos, mas sim, teria ele, convívio com o meio social, estando entre pessoas dispostas a ajudar na sua recuperação e educação, respeitando-o sem julgá-lo por sua conduta ilícita.

Todavia, para tanto, teria que afastar o receio das entidades conveniadas em receber apenados por determinado tipo de delito, pois caso contrário iria gerar um complicador para o sucesso da execução desse tipo de pena.

E, ainda, poderia ser também concomitantemente à prestação de serviços sociais um acompanhamento psicológico. Nesse acompanhamento psicológico seriam trabalhados as suas dificuldades, os seus medos, seus traumas e as causas que o levou a cometer o ato ilícito. Dessa forma o condenado seria trabalhado para não se sentir um sujeito excluído da sociedade.


Falência do sistema penitenciário: desinteresse do Estado?

A sociedade de hoje é refém da violência e da insegurança. O crescimento da taxa de criminalidade aterroriza a população, fazendo que viva em função da marginalização, não para praticá-lo, mas para preveni-lo.

É certo que a segurança pública é dever do Estado, como reza o art. 144 da Constituição Federal, porém a incapacidade policial para coibir a criminalidade faz com que o caos se agrave, deixando os marginais à vontade ao limite da inviabilidade do convívio em paz na terra. Sim terra, pois a onda da violência está se alastrando não somente no Brasil. Vêem-se nos noticiários as guerras, os terrorismos, a luta pelo poder e pela supremacia, ensinando e aguçando a mente pervertida do cidadão que já recebe influencia, seja pela violência doméstica, nascida no meio familiar, ou pela violência que já carrega dentro de si.

A televisão, ao passo que traz informações para a humanidade, é um profundo poço de ensinamento, mostrando como roubar, revelando formas exacerbadas de criminalidade e novas técnicas. Não obstante, a criminalidade também se faz presente nos desenhos animados e jogos de videogames, jorrando sangue para todo lado, fazendo até com que a criança se acostume com aquela cena, e, ao crescer, ela não se surpreenderá mais com o espetáculo da violência.

Pergunta-se, qual fator é mais preocupante para a sociedade: o desemprego ou a violência? Considerando que aquele, muitas vezes, acarreta este, pode-se tirar a lição de que o desemprego preocupa mais os brasileiros. E é a falta de emprego, falta de dinheiro para colocar comida à mesa que leva muitas pessoas a buscar a marginalização, tendo que roubar e tirar dos outros para ter para si. As mães ensinando os filhos a pedir esmola no semáforo, orientando-o a passar o dia no sol quente, descalços. Fácil é falar: vai estudar menino ou arrumar o que fazer! Muito fácil, concorda-se - tantas vezes ao parar no sinal de trânsito pensa-se isso. Ou até mesmo quando o pedinte já é adulto, com idade para empregar-se, passa o dia inteiro desocupado pedindo esmola ou olhando carro; mas a verdade é que: quem vai dar emprego para uma pessoa cuja procedência não se sabe e não se tem dela referência? Quem teria coragem de colocar uma pessoa daquela para trabalhar como empregada doméstica ou jardineiro na sua casa? Para se viver sempre em estado de alerta, escondendo as jóias, o dinheiro, ou qualquer bem de estimação?

Não é papel da sociedade fazer esse tipo de questionamento, e sim dever e obrigação do Estado prestar serviços a essas pessoas que ali estão, suplicando e mendigando por uma moeda, para ao fim do dia juntar e ter como comprar seu alimento. (...) alimento, sabe-se bem que nem sempre é alimento. Aquelas crianças, que são o futuro do País, que deveriam estar nas escolas, ou sob a custódia do Estado, compram drogas, cola, para inibir a fome e agüentar o sofrimento e o desprezo vivido.

A concorrer para essa ultrajante realidade estão a incúria do Governo, a indiferença da sociedade, a lentidão da justiça, a apatia do Ministério Público e de todos os demais órgãos da execução penal incumbidos legalmente de exercer uma função fiscalizadora, mas que, no entanto, em decorrência de sua omissão, tornam-se cúmplices do caos (LEAL, 1998, p. 69).

Ao ignorar e calar a miserável situação em que se encontra inserida a maioria da população brasileira, porém, a sociedade fica submetida à criminalidade.

Numa profunda reflexão sobre a crise do sistema penitenciário brasileiro, pode-se chegar à conclusão de que, na realidade, trata-se nada mais do que um reflexo da crise do próprio sistema de Governo, responsável pela gerência e administração da vida dos cidadãos em sociedade.


Conclusão

Oportuno é dizer que na realidade ninguém acredita que possa um dia estar numa condição dessas, mas é possível que, um dia, qualquer ser humano poderá estar na mesma situação, vítimas da violência e dos próprios atos.

É hora de o ser humano parar com a extrema ferocidade, o grande egoísmo e a desumanização; assolada. Acreditar na paz do mundo e no coração dos homens não é utopia, basta que cada um faça sua parte e tenha crença em um melhor amanhã.

É fato que as casas de detenção não oferecem ressocialização e, muito menos, oportunidade de recuperação aos presos. A atual falência do sistema penitenciário retrata a crise do Governo e da própria sociedade, porém pouco se sabe da preocupação das pessoas que estão do lado de fora das prisões em progredir e tirar da lama a desesparadora classe de detentos. Muitos dos cidadãos são contra a terceirização dos presídios, manifestando descuido e descaso, pois não querem dispor de dinheiro para manutenção dos recursos necessários; no entanto, a tercerização seria uma saída aplaudida de pé pelos humanístas, pois acreditar na recuperação daqueles criminosos é acreditar no respeito que deve existir aos direitos humanos e aos princípios regidos nas lagislações.

É hilário falar em Estado Democrático de Direito, onde os direitos fundamentais considerados indispensáveis à pessoa humana não são respeitados, não atingindo os seus objetivos, que é assugurar aos cidadãos uma vida digna e livre. Será que somos todos iguais perante à lei?

Por mais triste que seja dizer isso, sabe-se que não adianta falar em investimentos na educação, nas escolas, na saúde pública e na segurança, ignorando a situação calamitosa em que estão inseridos os detentos, pois aqueles que ali estão voltarão para a sociedade, com sede de amparo e não o encontrarão. A única saída que essas pessoas encontrarão é voltar à vida marginalizada, para que, de alguma forma, possam sobreviver e ter o que comer.

Em conclusão, não se poderia deixar de acreditar, sob um ponto de vista otimista, que a criminalidade buscada pela classe baixa é uma maneira de pedir socorro ao Governo. Quando o grito de amparo for escutado e respeitado, o Brasil não viverá mais essa baderna, e sair às ruas não será mais motivo de desespero e aflição, pois todas as pessoas temem não voltar vivas para casa.


REFERÊNCIAS

LEAL, César Barros. Prisão: Crepúsculo de uma era. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.

CONSULEX. Porque explodem as rebeliões de presos. Entrevista feita ao Elói Pietá, 1997. Disponível em: <http://www.sul-sc.com.br/afolha/pag/direito.htm>.

CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988, Arts. 1º e 5º

Sobre o(a) autor(a)
Anna Cecília Fernandes Almeida
Advogada, pós-graduanda em Direito e Processo Constitucionais, sócia do escritório Guizardi Advocacia.
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