Por que não pagar a "taxa" de incêndio

Por que não pagar a "taxa" de incêndio

Os proprietários de imóveis em Minas foram surpreendidos com a cobrança de uma "taxa pela utilização potencial do serviço de extinção de incêndio" que pode atingir o valor de R$ 1.884,27.

O s proprietários de imóveis em Minas foram surpreendidos com a cobrança de uma “taxa pela utilização potencial do serviço de extinção de incêndio” que pode atingir o valor de R$ 1.884,27, dependendo da área de construção do seu imóvel.

Todos recebem o DAE – Documento de Arrecadação Estadual emitido pela Secretaria de Estado de Fazenda, contendo orientações de preenchimento e a ameaça de que a falta de pagamento levará à inscrição do débito em Dívida Ativa, à inclusão do nome do devedor no Cadastro Informativo de Inadimplência em relação à Administração Pública (CADIN/MG), além de cobrança judicial e como se não bastasse, dificuldade nas transações futuras com o imóvel.

Segundo o DAE, o fundamento legal da cobrança é a Lei n° 6.763/75, alterada pela Lei n° 14.938/2003 e se trata de uma cobrança anual, em função do grau de risco de incêndio na edificação.

Ora, essa cobrança é flagrantemente inconstitucional, porque o serviço de prevenção e extinção de incêndios, resgate e salvamento, é inespecífico, pois favorece não apenas os proprietários ou possuidores de bens imóveis, mas a coletividade em geral, mesmo porque o sinistro pode atingir também os bens móveis e ameaçar vidas humanas e de semoventes. E o resgate e salvamento favorecem todos aqueles que eventualmente se encontrem em situação de risco no município, mesmo que não sejam proprietários ou possuidores de imóveis e sequer morem na cidade. E, ademais, essas atividades são indivisíveis pois não se pode medir o quanto cada munícipe, proprietário ou não, é beneficiado com sua existência.

Ou seja, se trata de serviço genérico e indivisível colocado à disposição de todos, indistintamente, sendo, pois, indevida a recomposição de seus custos através de taxa, de maneira que se afigura ilegal a cobrança do tributo nos moldes pretendidos pelo Estado.

No ensino do festejado ALIOMAR BALEEIRO, ao tratar da Teoria das Taxas, "quem paga a taxa recebeu serviço ou vantagem: goza da segurança decorrente de ter o serviço à sua disposição, ou, enfim, provocou uma despesa do poder público".

E exemplifica o mestre, como se para a hipótese em exame: "A casa de negócio, a fábrica ou o proprietário podem não invocar nunca o socorro dos bombeiros, mas a existência duma corporação disciplinada e treinada para extinguir incêndios, dotada de veículos e equipamentos adequados e mantida permanentemente de prontidão, constitui serviço e vantagem que especialmente lhes aproveita" (in Introdução à Ciência das Finanças, Forense, 14ª Ed., pág. 229).

Nem é o caso de se transcrever aqui as definições legais de taxas, posto que todas elas fazem expressa referência à sua natureza de contraprestação do contribuinte a serviço estatal específico e indivisível, por ele utilizado de forma efetiva ou potencial, valendo dizer tratar-se de pagamento por serviço certo e determinado, ofertado pelo Estado ao cidadão ou colocado à sua disposição. E assim o fazem a Constituição Federal (art. 145, inc. II) e o Código Tributário Nacional (art. 77).

O consagrado magistrado tributarista HUGO DE BRITO MACHADO tem lição ímpar: "O fato gerador da taxa é sempre uma atividade específica, relativa ao contribuinte. Resulta claro do texto constitucional que a atividade estatal específica, relativa ao contribuinte, à qual se vincula a instituição da taxa, pode ser: (a) o exercício do poder de polícia, ou (b) a prestação de serviços ou colocação destes à disposição do contribuinte" (in Curso de Direito Tributário, Malheiros, 1996, 11ª Ed., pág. 322).

Portanto, impossível invocar-se o poder de polícia como suporte para a cobrança da "taxa de incêndio", eis que este é atividade administrativa do Estado, de caráter geral, abrangente de toda a coletividade, contrapondo-se à destinação do produto da taxa atacada.

E a posição dos Tribunais, acompanhando o aqui exposto, é no sentido de que o combate a incêndio, por ter caráter genérico e indivisível, prestando-se a toda a coletividade, não contém os requisitos da divisibilidade e especificidade, razão pela qual, não se constituem como fato gerador de taxa.

Outra inconstitucionalidade da exigência é a utilização de base de cálculo imprópria: a taxa é cobrada em função da área do imóvel – fator determinante da base de cálculo do IPTU. Entretanto, o metro quadrado da propriedade serve para determinar o valor venal do imóvel, ceifando de inconstitucionalidade sua aplicação em tal tributo. Logo, essa circunstância viola preceito constitucional, previsto no artigo 145, § 2°, qual seja, “as taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos”

Embora, pode-se argumentar que a área do imóvel não seja o único elemento da base de cálculo da taxa em discussão, ela o integra, sendo determinante para a fixação do montante devido pelo contribuinte. E, ao repercutir no cálculo de imposto, sua utilização como aspecto quantitativo da taxa está vedada.

Finalmente há de se entender que o contribuinte tem todo o direito de não pagar a “taxa” de incêndio e de se defender contra essa exigência.

Conclui-se pela inconstitucionalidade da taxa exigida, caracterizando a ilegalidade de sua cobrança e reconhecendo que o serviço prestado pelos bombeiros deve ser custeado por meio do produto da arrecadação de impostos.

Sobre o(a) autor(a)
Marco Aurélio Bicalho de Abreu Chagas
Advogado tributarista, com escritório em Belo Horizonte-MG. Assessor jurídico da ACMINAS - ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE MINAS. Sócio do CUNHA PEREIRA & ABREU CHAGAS - Advogados Associados, em Belo Horizonte-MG.
Ver perfil completo
O conteúdo deste artigo é de responsabilidade do autor e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
Lista de leitura
Adicione este artigo à sua lista de itens para ler depois
Adicionar à lista

Artigos relacionados

Leia mais artigos sobre o tema publicados no DN

Notícias relacionadas

Veja novidades e decisões judiciais sobre este tema

Economize tempo e aumente sua produtividade com o DN PRO Seja um assinante DN PRO e tenha acesso ilimitado a todo o conteúdo que agiliza seu processo de elaboração de peças e mantém você sempre atualizado sobre o mundo jurídico. 7.430 modelos e documentos essenciais para o seu dia a dia Atualizados regularmente por especialistas em Direito Ideal para advogados e profissionais da área jurídica Apenas R$ 24,90 por mês Veja exemplos gratuitos