O Princípio da Participação Popular e da Publicidade no Direito do Urbanismo

O Princípio da Participação Popular e da Publicidade no Direito do Urbanismo

Breve ensaio sobre os dois principais princípios que regem o Direito Urbanístico, a partir da promulgação do Estatuto da Cidade.

I - CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS

A Constituição Federal de 1988, ao versar acerca da política urbana, no art. 182, dentre as suas disposições, reflete a teleologia da referida norma quanto à garantia do bem-estar dos seus habitantes, sob um prisma dos interesses sociais. Esta acepção é todo liame direcionador do Direito Urbanístico, abrangendo regras, normas, princípios, objeto e institutos deste ramo do direito, tendo em vista a concepção de autonomia [1] do “Urbanismo Jurídico” em torno da multidisciplinariedade da ciência jurídica.

Tendo em vista o princípio da dignidade da pessoa humana e do interesse público, eleva o Plano Diretor como instituto do Direito Urbanístico destinado a estabelecer um planejamento mínimo de uma cidade, no que concerne a política de desenvolvimento, reordenamento territorial e expansão urbana, ou seja, o plano diretor é a ferramenta da urbanificação [2] diante do “status quo” de uma urbanização desenfreada e gerada pelo processo de industrialização dos moldes do “grande capital”. Justamente a urbanificação consiste em um procedimento racional de correção dos distúrbios causados pelo crescimento e origem das cidades, sendo estes de cunho social, econômico, político, ambiental, cultural,etc. Desta feita, o Plano diretor visa a atender às condições de existência da pessoa humana, sobretudo garantindo este direito a todos, indistintamente, estabelecendo a eqüidade e isonomia, de modo a garantir os direitos individuais, coletivos e difusos.

O art. 2º, II da Lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), reforça os princípios da dignidade da pessoa humana e o do interesse público, determinando a concepção do principiológica da participação democrática do povo na gestão dos municípios. Outros dispositivos podem ser aplicáveis para fundamentar a idéia do princípio da participação popular, como é caso do art. 4º, III, “f”, § 3º; art. 27, § 2º; 33, VII; art. 40, § 4º; arts. 42, III, 43 a 45; 52, VI do mesmo estatuto em referência.

Desta maneira, o Plano Diretor é o reflexo do interesse público, consubstanciado em uma ação conjunta do Poder Público, juntamente com entes privados, sociedade civil (art. 29, XII da CF) e a comunidade. A urbanificação, neste patamar, irá atender ao princípio máximo do Direito Urbanístico que é a função social da propriedade.

Tendo em vista este princípio basilar, o direito da comunidade se sobrepõe ao do particular, levando a crer que o planejamento urbano não será um reflexo irrestrito da propriedade privada, pelo contrário, aquele irá coadunar os interesses do capital privado e da comunidade. O Estatuto da cidade trouxe inovações legislativas como é caso do usucapião especial urbano concedido como tutela coletiva de direitos e a medida provisória 2.220 que assegura a concessão de uso especial sobre terras públicas, no que tange à moradia. Estas previsões legislativas vem a quebrar o antigo paradigma da valorização irrestrita da propriedade privada como direito a ser oposto a todo um interesse público, como objetivava o código civil de 1916, pois o direito da comunidade passou a ser o elemento condicionante das políticas urbanas de modo a controlar os imperativos do poder econômico, em se tratando de gestão urbanística.

Em detrimento da relevância do interesse público sobre o privado- econômico, nasce dois princípios - o da Participação popular no Urbanismo e o da Publicidade. Estes serão abordados no próximo tópico.


II - DOS PRINCÍPIOS

Perpassadas estas afirmativas, enfoquemos os princípios da participação popular e o da publicidade como elementos relevantes no direito urbanístico, em especial o plano diretor. Este último princípio é derivado do primeiro, pois o direito à informação decorre da importância do interesse da comunidade diante de algum instituto. Neste caso, no direito urbanístico, a participação popular no âmbito das decisões acerca dos planejamentos e gestões urbanas, gera o direito à publicidade, já que todo indivíduo possui o direito de conhecer todos os passos da administração municipal, devendo todas as diretrizes e metas estar nos documentos publicados em órgãos representativos e no diário oficial ou em jornal de grande circulação em uma dada localidade. Todas as decisões relatadas em ata, como é o caso das Audiências Públicas, devem ser publicadas para que qualquer cidadão tenha conhecimento acerca da gestão participativa no urbanismo de seu município.

O plano diretor revela bem esses dois princípios, quando o inc. VI do art. 52 do Estatuto da Cidade revela a democracia participativa e a obrigatoriedade da publicação dos atos da Administração. O art. 40, § 4º, I a III da mesma lei reforça esta assertiva, ao determinar a garantia da participação dos cidadãos nos processos de elaboração, fiscalização e implementação do plano diretor.

Desta maneira, segundo alguns juristas, conforme as análises do Estatuto da cidade, analisam que a gestão participativa representa uma forma de controle da sociedade sobre à Administração Pública que é regida por leis e princípios que a deixam à margem da democracia, diante do seu poder de polícia e hierárquico, sendo assim um imperativo sobre os anseios dos administrados. O Estatuto da cidade estabelece um confronto com os objetivos do aparato legislativo da administração pública, dando possibilidades ao cidadão comum frear as imposições do Poder Público.

O controle social ou participação dos cidadãos na criação, execução e fiscalização do plano diretor , ocorre nas audiências públicas, nas quais há deliberações e debates acerca do modo conteúdo do referido plano (art. 40, § 4º, I da Lei 10. 257/01). A legislação estabelece os requisitos mínimos exigíveis ao plano diretor e permite a influência dos cidadãos sobre os procedimentos do prefeito.

A participação democrática dos indivíduos não se limita a apenas emitir uma gama de sugestões, mas sim debater, formular planos, enfim, o cidadão é elemento ativo nas três fases do plano diretor . O princípio da publicidade reflete ao direito da pessoa obter documento, informações, sob pena de se impetrar o remédio constitucional Hábeas Data para permitir que isto ocorra. A linguagem deve ser acessível, de fácil entendimento, tanto nos documentos como na Audiência Pública, levando a todos um conhecimento pleno acerca do conteúdo do plano diretor.

O Administrador Público que não obedecer a estes dois princípios, de modo comissivo ou omissivo, em seu plano diretor, este estará sujeito às penas do art. 12, III, art. 11 da Lei 8.429/92.

Sem dúvida, a participação democrática dos cidadãos e a conseqüente publicidade dos atos da administração municipal são frutos da objetividade maior : o cumprimento da função social da propriedade. Isto ocorre, quando os asseios coletivos são saciados com políticas públicas condizentes com suas realidades locais. Embora a câmara municipal represente a “voz “ do povo (democracia representativa), esta não atinge a real verdade correspondente à vontade da população. Sem dúvida, a participação direta do indivíduo concretizou a correção desta anomalia, ocorrendo uma organização governamental mais próxima das perspectivas democráticas e certamente ligada ao sentimento concreto humano de cada cidadão, assegurando-se assim o princípio da dignidade humana do ser individualmente caracterizado (art. 1º, III da CF).

Manifesta-se, neste prisma, políticas públicas eficazes e não prejudiciais ao orçamento público, já que não haverá, provavelmente, depois da promulgação do Estatuto, gastos desnecessários em relação àquele. A política governamental aplicaria bem os recursos públicos na construção de urbanismo adentrado no bem-estar social e na preservação do meio ambiente. A audiência pública proporciona que a Administração enumere prioridades a ser planejadas e executadas a partir das reais necessidade relatadas pelos indivíduos habitantes de uma determinada cidade. Um exemplo desta realidade é a implementação do programa do “Orçamento Participativo”, tão conhecido nas práticas da prefeituras comandadas pelo Partido Trabalhista (PT), no Brasil.


III - DA CONCLUSÃO

Desta forma, como o urbanismo é matéria de ordem pública, garantida constitucionalmente, o Estatuto da cidade procurou modernizar os instrumentos de implementação deste tipo de política de planejamento e gestão, protegendo o interesse público, em detrimento a função social da propriedade, através da garantia dos princípios da participação popular no plano diretor e da publicidade.

Enfim, as diretrizes contidas nos incisos II e III do artigo 2º do Estatuto da Cidade revelam a atenuação da “ideologia dogmática” da valorização intensa da propriedade imobiliária em função do poder econômico, caracterizando-se, através desta lei, outros procedimentos cabíveis a consecução das vontades populares, gerando uma superação dos interesses difusos sobre as conveniências do grande capital. Estes primeiros passos de mudança paradigmática, no seio do desenvolvimento do urbanismo, levam ao nascimento de uma concepção jurídica acerca do balanceamento e equilíbrio de prevalência nos direitos reais de uso do solo, assim como nos da propriedade, em se tratando da eqüidade entre os direitos individuais, coletivos e difusos, concatenando uma ação integrada dos entes da federação e da sociedade civil no plano de política urbana.



[1] Há controvérsias quanto à autonomia do Direito Urbanístico na qualidade de ciência autônoma. A maioria dos doutrinadores defendem que este direito é concebido como sub-ramo do Direito Administrativo, devido à várias motivações como a natureza das relações jurídicas deste, a sua origem, evolução histórica, etc. Vide Fernando Alves Correia, Estudos de Direito do Urbanismo. Coimbra: Almedina, 1998, p. 98-100.

[2] Urbanificação significa a correção da urbanização (processo natural do crescimento das cidades), ou seja, é um procedimento de gestão urbana de modo a eliminar as distroções e desequilíbrio causados pela expansão industrial nas cidades, por exemplo, o programa de habitações populares desenvolvida pelo executivo é uma prática de urbanificação que visa mitigar as desigualdades sociais.



IV - BIBLIOGRAFIA

1 - CORREIA, Fernado Alves. Estudos de Direito do Urbanismo. Coimbra: Almedina, 1998.

2 - MATOS, Liana Portilho. Estatuto da Cidade Comentado - Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

3 - ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. O estatuto da cidade e suas implicações . Jus Navigandi, Teresina, a. 5, n. 51, out. 2001. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2200>. Acesso em: 17 mar. 2003.

4 - SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 2ª ed. Malheiros, 1995. 

Sobre o(a) autor(a)
João Paulo Araujo
Estudante de Direito
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