Conteúdo e efetivação da tutela antecipada

Conteúdo e efetivação da tutela antecipada

Apresenta, de forma sucinta, como a tutela antecipada se efetiva de acordo com o tipo de sentença proferida, bem como os efeitos advindos da inclusão do art. 461-A no CPC, feita pela Lei nº 10.444/2002, e a discussão doutrinária sobre a questão.

C ândido Rangel Dinamarco, em sua obra A reforma do CPC, afirma que a tutela jurisdicional “são os resultados que o processo projeta para a vida, e coincide com os efeitos dos provimentos emitidos pelo juiz” (in Da Antecipação de Tutela, Athos Gusmão Carneiro, 4.ed., Forense, 2002, p.37), e é essa projeção para a vida ou os efeitos do provimento jurisdicional que, na realidade, se está buscando na antecipação de tutela.

As sentenças são o meio formal de entrega da tutela jurisdicional e possuem uma eficácia preponderante, determinante do bem da vida que será entregue ao demandante, quando procedente o seu pedido.

Pela classificação trinária das sentenças temos:

- sentença em ação declaratória que afirma a (in)existência ou modo de existir de uma relação jurídica;

- sentença em ação constitutiva que modifica a relação jurídica entre as partes, criando, alterando ou desconstituindo a relação já existente;

- sentença em ação condenatória que impõe ao réu efetuar uma prestação em favor do autor. Ela não é satisfativa, constituindo título executivo para posterior processo de execução.

Pontes de Miranda inclui, como modalidades de sentenças, as mandamentais e as executivas lato sensu. As primeiras são ordens expedidas pelo juiz que devem ser cumpridas sob pena de multa e/ou sanção criminal, como por exemplo, no mandado de segurança, na manutenção da posse ou nos interditos possessórios. Nas executivas lato sensu, o juiz determina a prática de atos executivos a serem imediatamente realizados por agentes do próprio Poder Judiciário, como por exemplo, ordem de despejo ou na reintegração de posse.

A antecipação de tutela pode ser concedida em qualquer modalidade de tutela prevista no ordenamento jurídico, pois a previsão do art. 273 do CPC tem caráter genérico, podendo a AT [1] exteriorizar-se de diversos modos, em comandos judiciais e atos de satisfação e assecuratórios da tutela.

O ponto causador de polêmica doutrinária refere-se aos efeitos externos ao processo, quando da concessão de AT, pois é necessário saber-se quais são os efeitos passíveis de antecipação: todos ou somente os que atuam diretamente no plano dos fatos?

Assim, relativamente ao conteúdo da antecipação, Athos Gusmão Carneiro, após apresentar pontos de vista de diversos estudiosos do tema, conclui:

“a) nas ações declaratórias, não pode ser adiantado o elemento nuclear da tutela, ou seja, a certeza jurídica, que não se compadece com a “provisoriedade” da AT; todavia, são eminentemente passíveis de adiantamento os efeitos que decorrerão do “preceito” contido na (provável) futura sentença de procedência. Assim, o autor postula a declaração da nulidade do ato que o excluiu de uma sociedade recreativa, e pode obter em AT a permissão para continuar freqüentando provisoriamente as dependências sociais, com a prerrogativas que normalmente cabem aos associados;

“b) nas ações constitutivas, o elemento nuclear do pedido poderá ser adiantado se compatível com a provisoriedade ínsita à AT; assim, não cabe adiantar a alteração de estado civil ou a anulação de um contrato, mas não repugna ao sistema a constituição provisória de uma servidão de trânsito. E certamente são passíveis de adiantamento os efeitos de natureza executiva ou mandamental da futura (provável) sentença de procedência da ação constitutiva;

“c) nas ações condenatórias, são passíveis de AT as prestações de dar, fazer e não-fazer ou pagar, sendo que relativamente às primeiras dar-se-á a efetivação da tutela (pela sua urgência ou pela intensidade do juízo de verossimilhança) através de medidas de cumprimento imediato, de ordens executivas ‘lato sensu’ ou mandamentais.”

Afirma, ainda, o autor, que na AT de obrigação de pagar, aplicam-se, no que couber (conforme a redação do § 3º do art.273), as regras do Livro II do CPC, podendo-se proceder ao desconto em folha de pagamento da empresa ré ou da apropriação de aluguéis devidos ao réu, principalmente nos créditos de natureza alimentar.

Com relação às ações executivas lato sensu e nas mandamentais, o conteúdo antecipado será, na visão de Teori Zavascki, “a eficácia social da sentença, não e eficácia jurídico-formal”, sendo antecipado os efeitos da futura sentença no “plano da realidade” (in Athos Gusmão Carneiro, ob.cit., p. 47).

Conclui-se, com base no exposto e conforme interessante observação feita por Athos Gusmão Carneiro (ob.cit., p.61), citando Carlos Alberto de Oliveira: “...a execução que se antecipa provisoriamente, para os fins do art. 273 do CPC, não é propriamente ‘execução no sentido técnico de processo à parte, mas de realização prática, alcançável no normal das espécies por ordens ou mandados emanados do órgão judicial, de modo compatível com a instante necessidade de prevenção do dano’; ‘ são propriamente os efeitos práticos antecipados, mais precisamente os atos materiais adequados à prevenção do dano”.

Conhecendo-se o conteúdo da antecipação nos diversos tipos de ações, pode-se determinar a sua forma de execução.

Sabe-se que a execução forçada se realiza através de diversos procedimentos, que variam de acordo com a natureza da prestação assegurada ao credor e que estão previstos no CPC:

- a execução para entrega de coisa, com o rito especial para entrega de coisa certa (art.621) e o rito especial para entrega de coisa incerta (art.629);

- a execução das obrigações de fazer (arts. 632 a 641) ou não-fazer (arts. 642 a 643);

- a execução por quantia certa (arts. 646 e seguintes), com os ritos especiais para a execução contra a Fazenda Pública (arts.730 e 731) e a execução de prestações alimentícias (art.732 a 735). (Curso de Direito Processual Civil, Humberto Theodoro Júnior).

Porém, segundo Athos Gusmão Carneiro (ob.cit., p 54), as recentes reformas do CPC, relativamente à execução de fazer ou não fazer, transformaram o procedimento “previsto nos arts. 633-637 e 643 (abertura de concorrência pública para realização da obra devida; conversões em pecúnia)” em “instrumento auxiliar, de aplicação ‘residual’, incidente apenas aos casos em que o credor prefira haver perdas e danos, ou em que se falhem os meios de caráter mandamental e executivo lato sensu”.

Quanto à execução de obrigações de dar, a inclusão do art. 461-A no CPC feita pela Lei nº 10.444/2002, restringiu a aplicação dos arts. 621 e seguintes às execuções por título extrajudicial, uma vez que os demais casos devem adotar a sistemática para as obrigações de fazer ou não-fazer (art. 461). Tais reformas buscam dar efetividade ao processo, garantindo-se a entrega do bem da vida, o mais brevemente possível a quem de direito, tornando os procedimentos “menos complexos na medida em que se aumente o grau de evidência das pretensões de direito material”.

A ‘efetivação’ da antecipação de tutela, de acordo com o § 3º do artigo 273 do CPC, “observará, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 588, 461, §§ 4º e 5º, e 461-A” (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 07 de maio de 2002). Trata-se da execução provisória (art.588), da execução de obrigações de fazer ou não- fazer (§§ 4º e 5º do art. 461) e da execução de entrega de coisa (art.461-A).

O termo ‘efetivação’ adotado no texto legal referido no parágrafo anterior foi proposto com base na melhor doutrina italiana, e também adotado na reforma do CPC italiano, que refutou a execução nos provimentos de urgência, nos quais se inclui a AT. Assim, conforme explica Athos Gusmão Carneiro (ob.cit., p. 65), com tal expressão se “compreenderá também as formas de execução indireta e imprópria [2], mediante executoriedade imediata ou expedição de mandamento”.

É ponto controvertido na doutrina, saber se o provimento antecipatório constitui ou não ‘título executivo’, sendo que Ovídio Baptista da Silva e Albino Teori Zavascki consideram-no título executivo, e Luiz Guilherme Marinoni afirma que “o provimento sumário, por sua própria essência, não constituiria título executivo. O título executivo, na sua tradição, supõe a existência de um direito ‘certo’, enquanto o provimento sumário, como seu próprio nome indica, tem em seu conteúdo apenas a probabilidade da sua existência”. (Tutela Antecipada, Malheiros, 7.ed., 2002, p.238-239)

Para Marinoni, a antecipação de tutela possui ‘executividade intrínseca’, ou seja, não é necessário a propositura de uma ação executiva, pois a efetivação da antecipação da tutela seria feita no próprio processo de conhecimento. Como conseqüência, não haveria necessidade de citação da parte contrária e não se admitiria embargos do executado.

Também é esse o entendimento de Humberto Theodoro Júnior, que devido à urgência de que se reveste a AT, “sua execução será sempre sumária e imediata, não havendo lugar para embargos do devedor” (citado in Da Antecipação de Tutela, Athos Gusmão Carneiro, p.66).

A expressão “no que couber” tem o significado do poder dado ao juiz para, de acordo com as condições apresentadas no caso concreto, determinar quais os meios executórios cabíveis para que se efetive a AT, da maneira mais célere possível e menos gravosa ao réu, pois, como observa Rosalina Rodrigues Pereira, citada por Athos Gusmão Carneiro (ob.cit., p. 67), “em se tratando de medida que visa garantir a efetividade do exercício do direito, não se podem impor normas absolutas”.

Assim, as regras do art.588 tem por função operacionalizar a efetivação da AT, que se dá ‘per officium iudicis’, também empregando os meios executórios previstos nos §§ 4º e 5º do art. 461, ou seja, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividades nocivas, sendo possível a requisição da força policial, quando necessário. Também pode, o juiz, lançar mão do disposto no inciso V do art. 14 (com redação dada pela Lei nº 10.358/01) e considerar o não cumprimento da ordem de efetivação da AT como “ato atentatório ao exercício da jurisdição”, cabendo, inclusive, a imposição de multa “ao responsável”, em favor do erário.

A cognição no provimento de AT é sumária, portanto, o caráter de provisoriedade é inerente ao instituto. Isto significa que a sentença de mérito (cognição exauriente) pode ser contrária ao juízo de verossimilhança que permitiu a AT.

Surge, então, um debate doutrinário: a parte beneficiada pela AT deve ser responsabilizada pelos eventuais danos causados à parte contrária?

A corrente majoritária, composta por, dentre outros, Carreira Alvim, Cândido R. Dinamarco e José R. Bedaque, afirmam que é devida indenização pelos danos causados, pois a responsabilidade seria objetiva como é para as medidas cautelares (art.811 do CPC); ou por resultar de normas gerais de direito privado.

Contrário a esse posicionamento doutrinário está Ovídio Baptista da Silva, argumentando que ninguém deveria ser responsabilizado por ter exercido uma ‘faculdade legítima’. (citado em A.G.Carneiro, p. 69).

De qualquer forma, a nova redação do § 3º do art.273, submetendo a efetivação da AT ao previsto, também, no art. 588, inclui, logicamente, o seu inciso I, pelo qual “corre por conta e responsabilidade do exeqüente, que se obriga, se a sentença for reformada, a reparar os prejuízos que o executado venha a sofrer”.


CONCLUSÕES

1) antecipação de tutela pode ser concedida em qualquer modalidade de tutela prevista no ordenamento jurídico;

2) o que se antecipa são os efeitos práticos, “mais precisamente os atos materiais adequados à prevenção do dano”;

3) as recentes reformas ocorridas no CPC transformaram o procedimento “previsto nos arts. 633-637 e 643 (abertura de concorrência pública para realização da obra devida; conversões em pecúnia)” em “instrumento auxiliar, de aplicação ‘residual’, incidente apenas aos casos em que o credor prefira haver perdas e danos, ou em que se falhem os meios de caráter mandamental e executivo lato sensu”;

4) a inclusão do art. 461-A no CPC, feita pela Lei nº 10.444/2002, restringiu a aplicação dos arts. 621 e seguintes às execuções por título extrajudicial, uma vez que os demais casos devem adotar a sistemática para as obrigações de fazer ou não-fazer (art. 461);

5) a antecipação da tutela é um dos meios encontrados pela doutrina, e implantado na lei, para que se alcance uma maior efetividade ao processo, garantindo-se a entrega do bem da vida, o mais brevemente possível a quem de direito;

6) para Marinoni, na antecipação de tutela, não é necessário a propositura de uma ação executiva, pois a efetivação da tutela seria feita no próprio processo de conhecimento, o que suprime a citação da parte contrária e os embargos do executado;

7) Araken de Assis não concorda com Marinoni, afirmando que, constitucionalmente, (art. 5º, LVI) o juiz não possui ampla discricionariedade. Para ele é inadmissível negar-se garantias de defesa, pois haverá, na efetivação da tutela antecipada a invasão no seu patrimônio;

8) Enfim, o que se percebe é a tendência de integração do processo de execução ao processo de conhecimento, a fim de se dar maior celeridade e efetividade na prestação jurisdicional.



BIBLIOGRAFIA

ASSIS, Arakén de . Manual do processo de execução. 6ªed. São Paulo: RT, 2000.

_______________. Tutela antecipada. In Processo de execução, coord. Sérgio Shimura e Thereza Arruda Alvim Wambier. São Paulo: RT, 2001. v.2.

CARNEIRO, Athos Gusmão. Da antecipação de tutela. 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Eficácia das decisões e execução provisória.1.ed.. São Paulo: RT, 2000.

MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação de tutela. 7ªed.São Paulo:Malheiros, 2002.

MIRANDA, Ersio. A execução da tutela antecipada. Disponível pela internet: www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=878

THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 33ª ed. Rio de

Janeiro: Forense, 2002. v.2.



[1] Antecipação de tutela

[2] Execução imprópria se verifica, também, quando o devedor é ente público, sendo seus bens impenhoráveis, não há medidas extremas de invasão de seu patrimônio. Execução indireta consiste de medidas voltadas para pressionar o devedor a cumprir as obrigações constantes do título executivo, como multas diárias, prisão para o devedor inadimplente de pensão alimentícia.

Sobre o(a) autor(a)
Sheyla M. A. Malherbi
Estudante de Direito
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