Medidas de Urgência - O necessário sincretismo processual previsto no artigo 273, 7º, do Código de Processo Civil

Medidas de Urgência - O necessário sincretismo processual previsto no artigo 273, 7º, do Código de Processo Civil

A inovação do parágrafo 7º do artigo 273 do Código de Processo Civil.

O Direito, como ciência humana eminentemente prática, requer conclusões que forneçam ao técnico as ferramentas necessárias para a resolução célere, eficaz e útil dos conflitos de interesse que surgem nos mais diferentes meios sociais.

Esta afirmação se torna evidentemente válida ao se observar a preocupação dos modernos processualistas com a eficácia, utilidade e celeridade do procedimento judicial, surgindo de diversos doutrinadores a certeza de que o formalismo exacerbado é um perigoso fator para a perda da razão de ser do provimento requerido em Juízo.

Neste contexto, como resultado de uma criativa combinação de artigos e princípios, as medidas de urgência surgem como um importante elemento para o Direito Processual, devendo-se observar que é através delas que o Estado Juiz, diante de uma situação emergencial, possui adequadas ferramentas para evitar a chancela oficial da morosidade e da ausência de praticidade nas decisões judiciais.

No Direito Pátrio, o Código de Processo Civil dispõe sobre a aplicabilidade de duas medidas de urgência, quais sejam, as providências cautelares (artigos 796 e ss) e a tutela antecipada (artigo 273), existindo um grande esforço doutrinário e jurisprudencial para tentar delinear a essência de cada uma das mencionadas medidas, na busca da obtenção de uma sólida distinção entre as mesmas.

No estudo da natureza das providências cautelares, predomina nos meios acadêmicos, bem como nos Tribunais, a tese de que, salvo raras exceções, a providência cautelar possui a singular importância de tutelar o processo que protegerá o direito a ser atingido. Possui, desta forma, uma função auxiliar, garantindo-se a eficácia de outro processo.

Daí a idéia de instrumentalidade do processo cautelar, o qual não justifica sua existência por si mesmo, havendo uma relação necessária com um processo principal, ao qual serve como instrumento de segurança e eficaz atuação. Não é por outra razão que Francesco Carnelutti leciona que enquanto o processo principal serve à tutela do direito, o processo cautelar serve à tutela do processo.

Vale apontar que o uso das medidas cautelares sempre foi a reação dos juristas contra sistemas carentes de procedimentos ágeis e abrangentes, sendo notável a expansão de requerimentos de providências de cunho cautelar ao longo da história do Direito Processual Civil.

Entretanto, tornou-se usual a utilização dos provimentos acautelatórios com o fim específico de se obter uma antecipação dos efeitos do mérito da ação principal, o que ocasionou uma grande preocupação para os juristas contemporâneos, visto que tal fato não seria compatível com o conceito do processo cautelar; o qual resguardaria tão-somente a eficácia do processo principal.

Assim, em função da utilização excessiva das medidas cautelares de cunho satisfativo, afastando-se, por diversas vezes, da defendida natureza instrumental do provimento acautelatório, houve a instituição, através da Lei nº 8952/1994, do artigo 273 do Código de Processo Civil, o qual disciplina a Tutela Antecipada.

Este último instituto, importante medida de urgência, possui o fito de antecipar os efeitos da sentença final, sendo claro o seu caráter satisfativo, possibilitando-se a concessão, em caráter liminar, dos direitos pleiteados em juízo ao autor da demanda.

Faz-se oportuno dizer que os requisitos para a concessão da tutela antecipada são mais rígidos, exigindo-se mais do que a mera comprovação do “fumus boni iuris” e do “periculum in mora”, suficientes para as medidas cautelares, devendo-se comprovar a verossimilhança da alegação e o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Superada a explanação acerca da existência de um grande esforço doutrinário para se diferenciar as duas medidas de urgência previstas no Direito Pátrio, há que se apontar que, na realidade, o excessivo rigor formalista em situações práticas pode desvirtuar toda a razão que norteou a criação das mencionadas medidas, tornando-se inócuo todo o trabalho científico de se entender a instrumentalidade do provimento cautelar ou o caráter satisfativo da tutela antecipada.

Em outras palavras, deixar de tutelar um determinado direito, em função do simplório fato da medida de urgência requerida ter assumido forma inadequada, é aplaudir um grande retrocesso na história do Direito Processual Civil, esquecendo-se os valores essenciais de eficácia, celeridade e utilidade do provimento jurisdicional.

Entretanto, em diversas situações, por amor ao rigor científico, o Poder Judiciário negou pedidos de tutela antecipada em função da essência do requerimento formulado possuir natureza cautelar, bem como negou pedidos acautelatórios em função da natureza do pedido ser própria de tutela antecipada.

Houve, desta forma, a negativa de uma tutela de urgência em função do excesso de zelo dispensado à classificação doutrinária, evitando-se lesar o precioso universo dos institutos científicos em detrimento do bem da vida que não podia suportar os imperiosos efeitos do tempo.

Neste contexto, em boa hora, o legislador, se valendo de louvável e moderado rigor científico, e observando as necessidades práticas oriundas das mais diferentes lides que atolam diariamente os Tribunais, inovou na redação do artigo 273, § 7º, do Código de Processo Civil, permitindo-se a incidência de um sincretismo processual, o qual consiste no poder do magistrado de, presentes os requisitos pressupostos, deferir providência cautelar no lugar de uma postulada providência de tutela antecipada.

Assim, caso a parte formule pedido de antecipação de tutela que possua, na realidade, natureza cautelar, pode o magistrado, desde que presentes os requisitos necessários, deferir medida acautelatória, como se fosse um pedido cautelar incidental, sem deixar de evitar a lesão a um determinado bem da vida, e sem remeter as partes para um diferente procedimento judicial.

A inovação, indubitavelmente, é digna de gloriosos aplausos, significando em uma mais importante vitória do moderno Processo Civil, o qual se presta a formular as ferramentas exigidas para uma adequada tutela jurisdicional; célere, eficaz e útil.

Entretanto, da redação do mencionado dispositivo, proveniente da Lei n. 10.444/2002, há a questão se, no caso contrário, ou seja, na situação em que se pede ao Poder Judiciário um provimento cautelar de natureza antecipatória, pode o Juiz, desde que presentes os requisitos necessários, deferir a Tutela Antecipada ao invés de remeter as partes para outro procedimento judicial.

Admitir que o fenômeno do sincretismo processual seja aplicado tão-somente para a situação literal da lei é, repita-se, negar o caráter útil e eficaz que deve nortear as inovações e conclusões dentro do Direito Processual.

Poderia perfeitamente o magistrado, desta forma, desde que atendidos os requisitos do artigo 273 do Diploma Processual, deferir a tutela antecipada ao invés da requerida medida cautelar, autorizando-se, posteriormente, a emenda da petição inicial, evitando-se, logo, o transtorno de ajuizar nova demanda; o que implicaria, provavelmente, no severo risco de perecimento do bem da vida pleiteado.

Conclui-se, assim, que caso existam os requisitos necessários para o deferimento da antecipação de tutela, mesmo que requerida através de formato cautelar, não há um porquê razoável para se negar o pleito, sendo a interpretação contrária a negativa da essência das medidas de urgência, demonstrando-se um excessivo rigor à forma e a ausência de incorporação dos elementos essenciais provenientes do moderno Processo Civil.

Aliás, bem de acordo com a natureza das medidas de urgência, é a lição de Calamandrei, o qual bem disserta que “O provimento cautelar visa salvaguardar o imperium iudicis, ou seja, impedir que a soberania do Estado, na sua mais alta expressão, que é a justiça, se reduza a uma tardia e inútil expressão verbal, uma vã ostentação de um lento mecanismo destinado, como os guardas da ópera burlesca, a chegar sempre demasiado tarde” [1]

Brilhante o ensinamento do mestre italiano, sendo certo que onde se lê “provimento cautelar”, deve se ler “medida de urgência”, uma vez que, no direito atual, não obstante existirem diferenças acadêmicas, a tutela antecipatória e a tutela cautelar são, em conjunto, os instrumentos de garantia da eficácia e da utilidade dos provimentos jurisdicionais.

Sustentar, portanto, a existência de sincretismo processual tão somente para a previsão literal do artigo 273, § 7º, do Código de Processo Civil, pode ser classificada como uma inglória busca de se ofuscar a singular tentativa do legislador de corrigir os rigorismos científicos que impediam a obtenção de uma ampla e indispensável efetividade nas decisões judiciais.

Finalmente, não é demais frisar o ensinamento do grande sociólogo Eugen Ehrlich [2], o qual bem disserta que o Direito é um mero lago em um oceano de fatos, sendo missão do processualista, portanto, obter as ferramentas indispensáveis para absorver, com garantia de utilidade e eficácia, as inovações fáticas provenientes dos pretórios.

Dispensável se torna a necessidade de descrever a importância das medidas de urgência e de seu sincretismo processual neste contexto.



[1] Calamandrei, “Introduzione allo studio sistemático dei provimenti cautelari”, pág.144

[2] Erlich, Eugen, in “Grundlegung der Soziologie des Rechts”, pág. 393/409

Sobre o(a) autor(a)
Elias Marques Medeiros Neto
Mestrando em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Especialização em Direito da Economia e da Empresa pela FGV/SP. Especialização em Direito Processual Civil e em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária...
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