Prisão preventiva e o princípio da presunção de inocência

Prisão preventiva e o princípio da presunção de inocência

Admite-se a decretação da prisão preventiva para a garantia da aplicação da lei penal quando as peças que instruírem o respectivo processo-crime revelarem um nítido propósito do acusado de furtar-se à aplicação da lei penal.

A prisão preventiva é uma das formas de prisões cautelares prevista no Código de Processo Penal em seu artigo 312, cuja redação sofreu alterações recentemente, passando a dispor:

A prisão preventiva é a medida cautelar que pode ser decretada para a garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Parágrafo único: A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º).

Esta modalidade de prisão poderá ser imposta no andamento da investigação criminal e até após a sentença condenatória com previsão de recurso. Na fase recursal cabe também a sua decretação se houver necessidade para garantir a aplicação da lei penal. Nesse sentido explica Aury Lopes Jr. (2013, p. 85):

A prisão preventiva somente pode ser decretada por juiz ou tribunal competente, em decisão fundamentada, a partir de prévio pedido expresso (requerimento) do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial. Estabelece ainda o art. 311 que caberá a prisão preventiva a partir de requerimento do querelante, logo, no curso de ação penal de iniciativa privada.

Quanto à decretação da prisão preventiva, estabelece Eugênio Pacelli (2013, p. 91):

A decretação da prisão preventiva pressupõe prova da existência do crime e de indícios suficientes quanto à sua autoria. Como se trata de medida cautelar, diz-se do que se convencionou designar de fumus comissi delicti, em paralelo ao fumus boni iuris, que é designativo da aparência do direito e pressuposto do manejo de medidas cautelares na processualística não penal.

De acordo com a redação do artigo 311 do Código de Processo Penal, observa-se que a preventiva será cabível em qualquer fase, seja a do inquérito policial ou até mesmo na instrução do processo em curso.

A prisão preventiva objetiva garantir o desenvolvimento processual no tocante à eficácia da aplicação das penas e proteger a ordem econômica e a ordem pública. Esta última, é vista como absurda, segundo o entendimento do autor Aury Lopes Jr. (2012, p. 844):

É uma falácia. Nem as instituições são tão frágeis a ponto de se verem ameaçados por um delito, nem a prisão é um instrumento apto para esse fim, em caso de eventual necessidade de proteção. Para além disso, trata-se de uma função meta-processual incompatível com a natureza cautelar da medida.

A prisão para garantir a instrução criminal vem delimitada nos moldes do artigo 312 do Código de Processo Penal e norteia o futuro das prisões cautelares. Sua função é proteger a eficácia plena das provas, a verdade das testemunhas, e, de certo modo, defender que a instrução do processo ocorra tranquilamente. Entretanto, este efeito cautelar afeta diretamente o acusado, pois, seu direito à ampla defesa e ao contraditório resta prejudicado drasticamente (MARCÃO, 2012).

Tratando-se de perigo no desaparecimento de provas, convém salientar a viabilidade de antecipar-se as provas, onde que o contraditório não sairia agredido, e o conteúdo probatório do processo estaria preservado de maneira eficaz. O artigo 225 do Código de Processo Penal destaca que a antecipação de provas será admitida em casos excepcionais que sejam considerados impossíveis de se repetir a prova em juízo competente.

A prisão que visa proteger a aplicação da lei penal é decretada quando há risco iminente de fuga do acusado, mas se ele estiver comparecendo aos atos do processo e tiver endereço fixo, jamais será submetido a esta penalidade. Destarte, não é suficiente um mero temor do juiz, e sim é imprescindível a ocorrência de dados e fatos concretos. Assim, corrobora Mendonça (2011, p. 281):

Admite-se a decretação da prisão preventiva para a garantia da aplicação da lei penal quando as peças que instruírem o respectivo processo-crime revelarem um nítido propósito do acusado de furtar-se à aplicação da lei penal.

A garantia da ordem pública procura trazer segurança da sociedade quando tiver possibilidade de afetação à tranquilidade e harmonia do convívio entre os indivíduos. Com isso, evita a prática de novos delitos penais, fazendo uma valoração entre a gravidade do fato e as circunstâncias em que o crime ocorreu (AVENA, 2012).

Denota-se que a ordem pública possui a característica de resguardar a integridade psíquica ou física do apenado ou até mesmo de terceiros, além de objetivar o impedimento de novas práticas criminais e assegurar a credibilidade do Poder Judiciário (CHOUKR, 2011).

Com a Lei nº 8.884/1994 incluiu-se o fundamento prisional baseado na garantia da ordem econômica, com a finalidade de evitar a prática de novos delitos criminais contra a economia ou contra o sistema financeiro, como a ocorrência do crime de lavagem de dinheiro por exemplo (AVENA, 2012).

A Lei nº 12.403/2011 trouxe uma inovação no inciso I do artigo 313 do Código de Processo Penal, pois leva em conta a quantidade da pena e exclui a diferenciação entre detenção e reclusão, de acordo com o posicionamento da Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura (2014, p. 143):

Mas, para além de uma mera adequação à realidade da pena de prisão, a nova previsão legal traz maior proteção à liberdade, na medida em que preserva o status libertatis do acusado naqueles crimes em que a sentença final não o levará ao cárcere, como acontece, por exemplo, no crime de furto simples.

Portanto, após a imposição desta lei em comento, convém destacar que o magistrado irá analisar o caso de maneira aprofundada, devendo observar a proporção entre a pena e a gravidade do crime em debate, com intuito de verificar se uma medida cautelar alternativa à prisão pode ser aplicada ao caso.

A presunção de inocência surgiu com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão no ano de 1789, e neste período sofreu inúmeras críticas quanto a defender e inocentar um possível criminoso, porém, atualmente é um princípio constatado e adotado pela maioria dos juristas. Assim declara Nereu José Giacomoli (2014, p. 94):

O estado de inocência é um princípio de elevado potencial político e jurídico, indicativo de um modelo basilar e ideológico de processo penal. Este, quando estruturado, interpretado e aplicado, há de seguir o signo da dignidade e dos direitos essenciais da pessoa humana, afastando-se das bases inquisitoriais, as quais partiam do pressuposto contrário, ou seja, da presunção de culpabilidade da pessoa. A adoção ou não do princípio da presunção de inocência revela a opção constitucional a um modelo de processo penal.

A garantia da presunção de inocência surgiu em face das práticas do regime contra a liberdade das pessoas, tendo como fundamento as prisões arbitrárias e a consequência da pessoa ser tida como culpada, mesmo antes de ser provada a sua culpa (GIACOMOLLI, 2014).

Leonir Batisti (2009, p.128) conceitua esse princípio:

A presunção de inocência caracteriza obviamente uma proteção. É uma proteção que implica prioritariamente em não cercear a liberdade em face de uma mera suspeita de envolvimento em crime (conquanto haja exceções previstas para uma suspeita fundamentada, de que se falará) e em não aplicar penas outras de caráter criminal, antes de um processo (ou do trânsito em julgado de uma decisão condenatória).

Como proteção abstratamente considerada, se estende a toda e qualquer pessoa.

Como proteção concreta ou concretizável, o destinatário ativo da proteção acaba por ser, mais exatamente, aquele que estiver colocado em risco de ter cerceada a sua liberdade ou sofrer ofensa de outra natureza.

Entende-se então que o princípio em tela é considerado uma garantia de liberdade e verdade imposto aos indivíduos que podem ter sua liberdade cerceada injustamente e desnecessariamente de maneira antecipada. O objetivo fundamental de aplicabilidade do princípio referido anteriormente é a liberdade do ser humano, visando não privar o direito dele de ir e vir na sociedade.

A função estatal neste princípio merece destaque, pois é por meio dos agentes do Estado que ocorre o efetivo cumprimento da presunção de inocência, sendo então considerado um ato intransferível e não passível de concessão da administração indireta.

O princípio da presunção de inocência passou a constar expressamente na Constituição Federal em 1988 prezando que ninguém será considerado culpado até uma sentença transitada e julgado sem possibilidade de recurso. Cabe destacar que este princípio pode ser tratado como ramo do direito penal ou processual penal, e até mesmo na esfera constitucional.

O princípio analisado é direcionado à defesa do réu e hoje está consagrado pelo Brasil como direito, liberdade e garantia ao ser humano. Em suma, este princípio vigora antes de uma acusação ou até mesmo antes de um processo criminal e é diretamente destinado ao controle imediato do Poder Judiciário e do Ministério Público para cercear a liberdade do acusado em caso de necessidade.

Ademais, a restrição da liberdade do ser humano só irá ocorrer quando o agente tenha praticado efetivamente o ilícito criminal, não havendo este ilícito a presunção de inocência não irá ser observada, pois, para controlar uma possível detenção utiliza-se de um mero controle social sem a privação da liberdade.

Antigamente, o termo presume-se inocente trazia uma espécie de culpa que já seria pronunciada, posteriormente indicando a existência do crime e sua punição para o caso. Atualmente, esta previsão desapareceu do ordenamento jurídico, visto tratar-se de uma condenação com ou sem trânsito em julgado.

Contudo, viola totalmente a presunção de inocência a decisão que não admite ao réu apelar em liberdade, caso estejam ausentes as condições fundamentais para segregação das cautelares. Com este ato, ocasiona uma punição antecipada, pois, demonstra que o réu não terá a chance de recorrer em liberdade porque ficou preso durante todo o processo.

REFERÊNCIAS

AVENA, Norberto. Processo Penal Esquematizado. 5. ed. São Paulo: Método, 2012.

BATISTI, Leonir. Presunção de inocência. 1. ed. Curitiba: Juruá, 2009.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 22 mai. 2017.

BRASIL. Decreto – Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm>. Acesso em 15 mai. 2017.

BRASIL. Decreto – Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del3689.htm>. Acesso em 02 jun. 2017.

CHOUKR, Fauzi Hassan. Medidas cautelares e prisão processual. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.

COSTA, Domingos Barroso da; PACELLI, Eugênio. Prisão preventiva e liberdade provisória. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2014.

LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

LOPES JÚNIOR, Aury. Prisões Cautelares. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.

MARCÃO, Renato. Prisões cautelares, liberdade provisória e medidas cautelares restritivas. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MENDONÇA, Andrey Borges de. Prisões e outras medidas cautelares pessoais. 1. ed. São Paulo: Método, 2011.

MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. A nova sistemática das medidas cautelares pessoais no processo penal brasileiro. Brasília: Superior Tribunal de Justiça, 2014.

Sobre o(a) autor(a)
Maria Eduarda Copetti
Advogada. Pós-graduanda em Direito Processual Civil - Unisc
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