O papel do advogado frente às formas extrajudiciais de resolução de conflitos

O papel do advogado frente às formas extrajudiciais de resolução de conflitos

Tece considerações acerca do papel a ser desempenhado pelos advogados em relação às formas alternativas de resolução de conflitos, destacando sua maneira de atuação e a sua indispensabilidade no que se refere à preservação dos direitos das partes envolvidas.

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho pretende analisar o papel a ser desempenhado pelos advogados frente às formas extrajudiciais de resolução de conflitos, com enfoque no método de mediação.

Para tanto, fez-se uso do método de abordagem dedutivo, elegendo-se os métodos histórico e bibliográfico como de procedimento. Com o fim de desenvolvimento do presente trabalho, utilizou-se, ainda, de consulta a livros, sítios eletrônicos, revistas e de consulta a legislação.

Sabe-se que a vivência em sociedade é por demasiado complexa, sendo que comumente dela decorrem várias espécies de conflito. Como se mostra improvável a eliminação destes, necessário se faz que se instituam mecanismos capazes de solucioná-los de maneira eficaz.

A maior parte das demandas conflituosas vê o Judiciário como um órgão supremo, capaz de resolver os problemas que as partes, muitas vezes, nem tentaram solucionar entre si mesmas. Dessa forma, tem-se observado que o Judiciário se tornou o “pai” de uma sociedade órfã, que se mostra incapaz de resolver suas demandas de forma amigável e colaborativa.

Em decorrência de tal conjuntura, percebeu-se a necessidade de se instituir e incentivar a utilização de mecanismos extrajudiciais de resolução de conflitos, em uma tentativa de estimular o encontro de solução através de acordo entre as partes, desestimulando, assim, a imposição de uma decisão de terceiro.

Com o incentivo crescente à resolução de demandas de forma consensual, impõe-se avaliar qual o papel a ser exercido pelo advogado. É certo que se faz necessário um estudo acerca desses métodos até outrora bastante desvalorizados para que se apreendam habilidades e técnicas capazes de conduzir ao êxito da prática. Deve o advogado despir-se da usual postura combativa e assumir um viés mais colaborativo, para que as partes consigam alcançar de modo satisfatório um acordo que ponha fim ao litígio.

2.BREVE HISTÓRICO DA MEDIAÇÃO

A mediação não é uma temática nova na realidade brasileira. A mesma acompanha a prática jurídica há tempos, manifestando-se em situações em que um terceiro tenta auxiliar a resolução de uma situação conflitiva entre polos opostos. Sua principal vantagem é que “ela trabalha com a autonomia de vontade das partes, respeitando-se as individualidades. As questões são resolvidas com base nos reais interesses dos envolvidos, através da cooperação, com rapidez e flexibilidade.” (NUNES, 2016, p. 26).

Pode-se compreender a mediação como um método autocompositivo, em que duas ou mais pessoas recorrem a um terceiro imparcial para auxiliá-las na resolução de uma demanda suscitada. De acordo com a Lei 13.140/2015, é a “atividade técnica exercida por um terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia” (Lei 13150/2015, art. 1°, parágrafo único). Segundo NUNES, “o terceiro, que é o mediador, ajuda as partes a construir soluções consensuais através do diálogo e de um conjunto de conhecimentos, metodologias e técnicas multi, inter e transdisciplinares.” (NUNES, 2016, p. 40)

Não há um marco inconteste acerca do surgimento da mediação, conforme assevera MARTINEZ (2005):

A concepção da mediação teria sido originada com Confúcio, na China, quatro séculos antes do início do calendário cristão, como meio mais adequado para a solução dos conflitos. No mundo ocidental sua concepção pode ser verificada na conciliação cristã, com repercussões desde o Direito Romano. (MARTINEZ, 2005)

Ainda conforme MARTINEZ (2005), quando das suas primeiras utilizações, a mediação se deu de forma essencialmente intuitiva, não havendo ainda uma sistematização acerca de seu procedimento. A prática direcionada e orientada da mediação se deu apenas a partir do século XX, ao lado de outros métodos de resolução extrajudicial de conflitos, como a negociação e a conciliação.

No Brasil, a mediação surgiu pela primeira vez através das Ordenações Filipinas, vindo regulamentada na Carta Constitucional do Império, em 1824, no qual reconheceu a atuação conciliatória do Juiz de Paz perante os processos.

Mas foi com o Novo Código de Processo Civil que a mediação contou com nobre importância, através do estabelecimento de sua obrigatoriedade já no limiar do processo. Dessa forma, busca-se desafogar o Judiciário e incentivar a busca de uma solução satisfatória pelas próprias partes.

Conforme destacado por NUNES, “o momento de quebra de paradigmas das inovações legislativas que ampliaram o sistema multiportas, colocados à disposição do cidadão para a resolução dos conflitos por meios que lhe sejam mais adequados, iniciou-se com a Resolução CNJ 125/2010” (NUNES, 2016, p. 35). Busca a citada resolução a mudança cultural da sociedade, através da superação da cultura do litígio. Para tanto, estimulou-se a criação de programas e ações voltados à resolução de conflitos de maneira autocompositiva.

Por sua vez, podemos considerar a Lei 13.140/2015 como o marco legal da mediação no Brasil. A referida Lei trata a mediação como um meio de solução de controvérsias, dispondo ainda acerca da autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública.

3. O PAPEL DO ADVOGADO NOS MÉTODOS EXTRAJUDICIAIS DE RESOLUÇÃO DE CONFLITOS

Conforme asseverado por FIORELLI, a mediação, entendida como forma de facilitar a resolução de um conflito, deve estar permeada de fatores que contribuam para o seu êxito.  Assim sendo, faz-se necessário que as partes estejam abertas ao diálogo, dispostas a compreender a posição de seu lado oposto e a propor soluções que atendam a ambas as partes.

A Lei 13.140/2015 (Lei de Mediação), em seu artigo primeiro, parágrafo único, já na definição do que é mediação, frisa a necessidade de um terceiro imparcial à controvérsia para o exercício da atividade de mediação.

Considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia

Ainda segundo FIORELLI, nesse processo, a presença de um advogado pode atuar favoravelmente à resolução satisfatória da demanda. Porém, nela não devemos encontrar a usual postura combativa do advogado. De modo diverso, deve este portar-se de forma mais compreensiva e aberta à negociação.

O Código de Processo Civil de 2015 preceitua a importância dos operadores do direito no estímulo aos meios adequados de tratamentos de Conflitos.

Art. 3° Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

§ 3o A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual

de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores

públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

O advogado, embora não seja obrigatório na primeira tentativa de mediação prevista no Novo Código de Processo Civil, figura como importante presença na audiência. Isso porque será ele responsável por vigiar e buscar garantir que o direito das partes seja realmente preservado. Ademais, uma vez não atingido o consenso entre as partes e o prosseguimento da ação, contará o advogado com maior visão acerca das circunstâncias originadoras do conflito, posto que acompanhou a tentativa, ainda que frustrada, de resolução do conflito por meio do método autocompositivo.

Para isso, segundo ORLANDO, é necessário um preparo do advogado, que deve, primeiramente, estudar as especificidades do método de mediação, de forma a propiciar a chegada a uma solução consensual.

Há previsão de mediação obrigatória no novo Código de Processo Civil, segundo o qual a petição inicial já deve conter a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação, conforme o artigo 319. Caso não haja opção expressa, presume-se que o autor aceita e o juiz designará tal audiência com antecedência mínima de 30 dias, é o que aduz o artigo 334. Prevê ainda no parágrafo 8º, multa para a parte que não comparecer injustificadamente, sendo que a falta é considerada como ato atentatório à dignidade da justiça. Nesse caso de mediação judicial, onde a realização de audiência de conciliação ou mediação é obrigatória, as partes devem estar acompanhadas de advogado, é o se extrai do parágrafo 9º do mesmo artigo.

Segundo NUNES, o advogado é essencial para ajudar as partes, tanto nas atividades rotineiras como de consultoria, assessoria jurídica e acompanhamentos dos casos exercendo atividade de mediador. “Na mediação, o advogado pode atuar como parte (...), como representante, como assistente de uma das partes ou como mediador.” (NUNES, 2016, p. 81)

Além de todo o exposto, a própria Constituição destaca a função do advogado na administração da justiça em seu Artigo 133, quando expressa: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manisfestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”

Acrescente-se a circunstância de que o advogado é conhecedor das normas de ordem pública, podendo, assim, auxiliar em relação aos limites jurídicos a serem observados, de forma a evitar nulidades.

4. DA NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO DA CULTURA DO LITÍGIO

É de conhecimento geral dos operadores do direito e da sociedade, a crescente litigiosidade das relações sociais, também conhecido como judicialização de conflitos, definida por BARROSO, como um fenômeno que:

envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade. O fenômeno tem causas múltiplas. Algumas delas expressam uma tendência mundial; outras estão diretamente relacionadas ao modelo institucional brasileiro. (BARROSO, 2016)

A juíza Daldice Maria Santana de Almeida,representante do Conselho Nacional de Justiça, ao afirmar que “A "cultura do litígio" dos brasileiros é responsável pela sobrecarga do Judiciário, por onde tramitam 90 milhões de processos”, reconhece a crescente judicialização dos conflitos e as consequências desse fenômeno, como a morosidade na resolução de processos, e má qualidade da prestação jurisdicional.

Desse modo é preciso que se opere na sociedade uma verdadeira mudança de pensamento e de enfrentamento aos conflitos e desavenças humanas. Faz-se necessário a sobreposição da cultura do consenso, do acordo, da harmonia, em detrimento da cultura do litígioe do dissenso.

Assim, os meios alternativos de resolução de conflitos, como a mediação, mostram-se como meios hábeis à superação da cultura do litígio, e necessária ao desafogamento do poder judiciário.

5. Considerações finais

Diante do exposto, em restritas linhas, se observa o fenômeno da judicialização de conflitos, e como esse fato tem causado morosidade e insatisfação em relação ao poder judiciário.Como resposta e saída a esse problema, surgem os meios alternativos de solução de conflitos, que buscam uma ideia de consenso, acordo, através de uma justiça cooperativa e colaborativa.

Nesse ínterim, o papel do advogado frente às medidas extrajudiciais de solução de conflitos, revela-se de sobremaneira importância e relevância para a superação da litigiosidade, criação da cultura do consenso e uma postura menos combativa e mais voltada ao acordo mútuo.

6. REFERÊNCIAS

BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em <http://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf> . Acesso em 21 de outubro de 2016, às 15:28.

BRASIL, Conselho Nacional de Justiça. Guia de mediação e conciliação judicial: orientações para instalação do CEJUSC. Brasilia: DF. Disponível em <http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/06/1818cc2847ca50273fd110eafdb8ed05.pdf> . Acesso em 29/10/2016, às 17:00.

FILHO, Humberto Lima de Lucena. As teorias do conflito: contribuições doutrinárias para uma solução pacífica dos litígios e promoção da cultura da consensualidade. Disponível em <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=0ff8033cf9437c21>. Acesso em 17 de outubro de 2016, às 13:40.

FIORELLI, José Osmir.Psicologia jurídica/ José OsmirFiorelli, Rosana CathyaRagazzoniMangini. - 6. ed. - Sáo Paulo: Atlas, 2015.

MARTINEZ, Sérgio Rodrigo. Ensaio para a paz: ensino jurídico na era medialógica. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/6863/mediacao-para-a-paz>. Acesso em 29/10/2016, às 19:50.

MOTTA JUNIOR, Aldemar de Miranda; VASCONCELOS, Carlos Eduardo de. FALECK, Diego; ORLANDO, Fabíola; MAIA NETO, Francisco; DORNELLES, Ricardo; PELAJO, Samantha. Manual de Mediação de Conflitos para Advogados. Ministério da Justiça: Brasil, 2014.Disponível em <http://mediacao.fgv.br/wp-content/uploads/2015/11/Manual-de-Mediacao-para-Advogados.pdf>. Acesso em 27/10/2016, às 21:32.

NUNES, Antônio Carlos ozório. Manual da mediação: guia prático para conciliadores. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016

NUNES, Jorge Amaury Maia; NOBREGA, Guilherme Pupeda.A audiência de conciliação e de mediação no CPC/2015. Disponível em <http://www.migalhas.com.br/ProcessoeProcedimento/106,MI225789,41046-A+audiencia+de+conciliacao+e+de+mediacao+no+CPC2015>. Acesso em 29/10/2016, às 20:00.

VARGAS, Ivete Machado. A mediação familiar e o direito da antidiscriminação. Disponível em <https://www.uniritter.edu.br/files/sepesq/arquivos_trabalhos/3612/1024/1180.pdf>. Acesso em 21 de outubro de 2016, às 15:30.

ZUCCHI, Maria Cristina. Breves comentários sobre os meios alternativos de solução de conflitos e as dificuldades de sua inserção na cultura litigiosa, inclusive a brasileira.Revista Científica Virtual da Escola Superior de Advocacia da OAB-SP Nº 13. (Verão - 2013.) - São Paulo: OAB/SP, 2013.Publicação Trimestral ISSN - 2175 - 4462. Direito - Periódicos. Ordem dos Advogados do Brasil. Disponível em <https://www.esaoabsp.edu.br/revista/edicao13/data/document.pdf>.Acesso em 17 de outubro de 2016, às 12:40.

O papel do advogado no processo de mediação. Disponível em <http://www.oabsp.org.br/noticias/2016/08/o-papel-do-advogado-no-processo-de-mediacao>. Acesso em 28/10/2016, às 20:25.

Sobre o(a) autor(a)
Hellen Renata Santos Neto
Estudante do 10° Período de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES.
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