Aborto no estado laico brasileiro

Aborto no estado laico brasileiro

O Brasil segundo a Constituição Federal é um estado laico, não possuindo uma religião oficial, embora respeite e admita todas. Porém o plano fático se mostra conflituoso, onde a religião interfere de maneira crucial no Estado brasileiro.

A palavra aborto vem do latim ab-ortus que significa privação do nascimento a interrupção voluntária da gravidez com a expulsão do feto do interior do corpo materno, tendo como resultado a destruição do produto da concepção (PIERANDELI 2005, p.109).

Assim se da à conceituação de aborto, prática fruto de intensos debates na atualidade. Seja por fulcro nos direitos que o feto possui ou vem a possuir, ou a questão metafisica de onde se inicia a vida humana.

Um fator importante a ser discutido é sobre um aborto com raízes socioeconômicas, ou seja, um aborto pela hipossuficiência, onde o nascimento de uma criança pode resultar na incapacidade econômica de manter tal nascituro. 

Há quem ache que seria legitima uma atitude pró-aborto baseado em necessidades de caráter social, econômico e político, como o perigo de explosão demográfica ou superpopulação, risco de uma humanidade faminta e a existência de mulheres de baixa renda, que se socorrem do aborto clandestino sem qualquer garantia de higiene, arriscando sua vida, pois as mais favorecidas economicamente podem contratar serviços abortivos seguros. Diante de tudo isso, entendem que só haverá um meio para solucionar tantos problemas: a legalização do aborto par todos os casos. Assim, pretendem proteger a humanidade marginalizada ou mais carente, assegurando sua vida e saúde (DINIZ, 2001, p. 74).      

O aborto existe na sociedade vivendo de forma marginalizada, com o conhecimento do Estado. Onde aquelas gestantes que não tem possibilidade de contratar serviços abortivos seguros, recorrem a meios clandestinos que põe em risco a vida dessas mulheres, assim como pode ocasionar em um aborto mal sucedido com resultados danosos a uma criança que conseguirá nascer, porém em virtude de um aborto clandestino sem sucesso, esta poderá apresentar deformidades e problemas que ocasionarão a genitora hipossuficiente problemas de ordem econômica, que se vislumbram incapazes de ser tratados ou sanados, em virtude da impossibilidade pecuniária familiar.

Além disto, o aborto pode se dar de maneira ideológica, por livre convicção da gestante que acredita que pode deliberar como bem entender sobre questões que dizem respeito ao seu próprio corpo.

Esse argumento é fundado na idéia de que deve ser admitida a sua legalização porque o feto não merece qualquer consideração cultural de ser humano, por ser parte do organismo da gestante, que tem direito à livre disposição de seu corpo. Se a mulher é dona de seu corpo, também o é do feto, que dele faz parte, poderá dispor como e quando quiser. (DINIZ, 2001, p.68).

Justifica-se pelo fato da mulher não desejar ter uma interferência externa em seu próprio corpo. Achando-se capaz de deliberar livremente acerca do aborto, por se tratar de um nascituro que só virá a vida pelo consentimento da gestante. 

No útero a criança não é uma pessoa se não nasce com vida, nunca adquiriu direitos, nunca foi sujeito de direitos, nem pode ter sido sujeito de direito. Todavia entre a concepção e o nascimento, o ser vivo pode achar-se em situação tal que se tem de esperar o nascimento, para saber se algum direito ou pretensão, ação ou exceção lhe deveria ter ido. Quando o nascimento se consuma a personalidade começa. (MIRANDA, 1983, p. 162).

A ideologia varia entre as gestantes, há quem seja favorável ao aborto por entender que o feto não apresenta vida no momento em que este é retirado do ventre materno, também existe a gestante a favor do aborto simplesmente pelo fato de entender que o feto é uma ramificação do seu corpo, logo podendo dispor livremente deste. 

A interferência da religião no Estado laico brasileiro é tão grande, que pese “a campanha política que precedeu o segundo turno das eleições presidenciais de 2010, no Brasil, teve o aborto como um dos temas centrais” (CARVALHO, 2011, p.121). Onde tal debate partia do ponto em que o candidato que apoiasse o aborto estaria contrário a ordem pública.

O aborto pode ser de maneira Eugênica, ou eugenésico. Aquele que se define como “o executado ante a suspeita de que o filho virá ao mundo com anomalias graves, por herança dos pais” (MIRABETE, 2002, p. 100)

No aspecto médico, propugnam muitos pelo abortamento em famílias com taras hereditárias ou naquelas em que se chegue à conclusão de que o produto da concepção seria inviável ou, se viável, apresentaria condições de vida que o tornariam um tormento para si e para os pais. Tratar-se-ia da antecipação, como certeza, de acontecimento que, na verdade, não passaria de uma hipótese. Agem os defensores dessa tese com fundamento em proposições até hoje não desenvolvidas com perfeição pela ciência. Fosse esta infalível e se poderia indicar, pelo menos cientificamente, o aborto em circunstancias tais. Feliz ou infelizmente não há condições para se chegar à certeza absoluta. Assim, a se filiar em hipóteses sem maiores possibilidades de comprovação, preferível é que se permita a evolução do embrião. Casos há, com efeito, em que o embrião se desenvolve normalmente e, em parto regular, se torna um ser perfeitamente apto a preencher seu lugar na sociedade, contra todas as indicações médicas, contra todos os antecedentes 36 familiares. Não se pode aceitar indicar o abortamento em condições de tamanha incerteza. (FERNANDES, 1972, p. 48).

Nesta perspectiva o aborto eugênico seria aquele que visa interromper o nascimento do feto que demonstre por meio de exames pré-natais futuras anomalias graves, seja estas físicas ou mentais, que acarrete transtornos e prejuízo certo ao feto e aos pais.  

Há, uma tendência à descriminação do aborto eugênico em hipóteses específicas. Como o válido o argumento de que não se deve impedir o aborto em caso de grave anomalia do feto, que o incompatibiliza com a vida, de modo definitivo, já se têm concedido centenas de alvarás judiciais para abortos em casos de anencefalia (ausência de celebro), agenesia renal (ausência de rins), abertura da parede abdominal e síndrome de dawn (em que há problemas renais, gástricos e cerebrais gravíssimos). A inviabilidade da vida extra-uterina do feto e os danos psicológicos à gestante justificam tal posição, apoiando-se alguns na tese da existência da possibilidade de aborto terapêutico e outros no reconhecimento da excludente de culpabilidade de inexigibilidade de conduta diversa. (GARCIA, apud, MIRABETE, 2002, p. 100).

Tal aborto também não é permitido no Brasil, porém a ideia reguladora para que este existisse seria com base nos diagnósticos de pré-natal, onde o feto não seria abortado por qualquer doença, mas sim aquelas que acarretem graves anomalias e incompatibilidades com a vida humana.

É também de suma importância a figura do aborto privado, que não decorre de causa médica, espiritual ou legal, mas sim na concepção individual e subjuntiva da gestante ou do casal.

Não importando o que leva a gestante a tal decisão, apenas que o fim é o de abortar. Podendo se dar por diferentes motivos, como exemplifica Maria Helena Diniz:      

Há os que alegam em favor da legalização do aborto razões particulares de cada casal ou gestante com a gravidez não desejada, seja ela oriunda de pressões físicas e psicológicas; questão financeira; deficiência física ou mental do futuro ser; falta de conhecimento sobre formas de evitar a gravidez; motivo de saúde mental abalada da mãe e rejeição do companheiro e ao filho. (DINIZ, 2001, p. 80).

Porém é de suma importância destacar que o aborto no Brasil é permitido em três hipóteses, duas delas estão presentes no artigo 128 do código penal: 

Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico: I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. (Código Penal).

Sendo o inciso primeiro o aborto necessário ou terapêutico, aquele pelo qual um médico profissional recorre ao aborto por ser o único meio de salva guardar a vida da gestante. 

O inciso segundo é chamado pela doutrina como aborto sentimental, aquele decorrente de uma gravidez resultante de um estupro. Onde a mulher teria de suportar uma gestação muitas vezes traumática, pelo qual se originaria uma vida oriunda de um crime, no caso, de estupro. É feito por médico, porém somente se houve consentimento da gestante, ou se esta for incapaz, de seu representante legal.

A outra possibilidade de aborto no ordenamento brasileiro é oriunda de uma decisão polemica do STF, onde o aborto de feto anencefálico foi descaracterizado da tipificação dos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II do Código Penal.

Conforme ementa abaixo:

ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE – DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal. (ADPF 54, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 12/04/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 29-04-2013 PUBLIC 30-04-2013).

Sabe-se que o feto anencefálico é aquele que não apresenta cérebro, mesmo sendo biologicamente vivo este é juridicamente morto. Logo não pode ser defendido pelo tipo penal, que tem como objetivo proteger a vida, pois tal feto anencefálico não possui juridicamente uma vida.

Diferentemente do que ocorre em qualquer outro tipo de aborto, no caso de feto anencefálico, não existe vida em potencial a ser protegida. Porém embora não exista vida para a ciência, os grupos religiosos se manifestaram contra tal deliberação.

Sobre este julgado é importante informar que a atuação de grupos religiosos se mostrou maciça no sentido de impedir a permissão do aborto de fetos anencefálicos, sob o argumento de que a vida gestada deve ser preservada, independentemente das condições psicológicas da mãe. (CARVALHO, PEREIRA, RODRIGUES, 2016, p.16).

Contudo cabe a genitora a decisão se ira ou não interromper a gestação, sem que isso implique em sanção penal para esta. Já que nada impede que a mãe opte por continuar com a gestação do feto anencefálico, isto caberá estritamente a ela em virtude de seus valores ideológicos.

Destarte sabe-se que o aborto é no Brasil grave problema de saúde publica. Que mesmo este não sendo permitido, é feito as margens da sociedade. Alguns por médicos em clinicas especiais, cobrando-se altos preços. Já outros por pessoas não especializadas e de maneira clandestina e sem nenhum tipo de higiene, o que acaba muitas vezes sendo fatal para a gestante que escolheu interromper tal gravidez.

Pode-se discordar a respeito de se um feto é ou não uma pessoa de muitas maneiras. No entanto, mesmo que pudéssemos concordar com respeito à questão metafísica de quais são as condições necessárias e suficientes para ser uma pessoa, e pudéssemos concordar sobre a questão factual acerca do feto satisfazer ou não essas condições, nós ainda assim não poderíamos concluir que o aborto é aceitável ou inaceitável moralmente. Note-se que nenhum dos dois argumentos abaixo é válido: A. um feto é uma pessoa a partir do momento da concepção. Portanto, o aborto é sempre moralmente inaceitável. B. Um feto não é uma pessoa em qualquer estágio do seu desenvolvimento. Portanto, o aborto é sempre moralmente aceitável (DWYER, 1998, p. 128)

Partindo dessa linha de raciocínio não se pode limitar a questão se há vida ou não no feto, se já constitui direitos ou não. Na medida em que o direito a vida no ordenamento brasileiro é ilusório, não sendo este absoluto. Pois em nosso ordenamento assegura-se o direito à propriedade, e para que seja garantido tal direito é possível que se mate alguém, caracterizando a legitima defesa da propriedade.

O caput do Artigo 5º da Constituição da Republica Federativa do Brasil, nos apresenta o seguinte texto:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

Nota-se na seguinte passagem constitucional a presença do tão enaltecido direito à vida. Que embora seja principio constitucional expresso, o ordenamento relativiza este até mesmo em face de um direito tido como muito menos importante, que é o direito á propriedade. 

O artigo 1210 do Código Civil, em seu capitulo terceiro, que diz respeito aos efeitos da posse é claro:     

Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. 

Que é “segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado”. Sendo assim possibilita a legitima defesa da propriedade. Onde é possível que o proprietário ao defender sua propriedade, revista este de violência, vindouramente acarretando futura lesão grave ou até mesmo a morte.

Marcel Tenorio de Britto Cano de maneira sucinta discorre sobre a relativização de direitos tidos como absolutos, que as vezes terão seu choque como consequência:

Uma vez que, para se proteger uma é necessário violar outra. Nesse quadro, cabe ao Direito, enquanto elemento apaziguante de determinada sociedade, a tarefa de expor qual dessas vidas deverá ser verdadeiramente inviolável, e qual terá sua inviolabilidade relativizada. (CANO, 2016, p.07).

Ou seja, o direito à vida não é absoluto como se propaga. Este teve sua relativização em face de um direito de propriedade. Logo, a questão do aborto não pode-se limitar se há ou não vida no feto, pois o próprio direito a vida permite tal relativização. 

Contudo a não legalização do aborto no Brasil não impede que este exista e seja feito com constância, apenas impede que seja feito de maneira higiênica e com a aparelhagem necessária.

Assim continuará a existir as margens da sociedade, onde de forma clandestina será feito. Quem detém poder econômico maior fara em clinicas especiais cercadas estas mães de aparatos cirúrgicos. Enquanto as gestantes com poucos recursos econômicos era se expor a pessoas sem nenhum tipo de instrução, sem os mínimos aparatos, com riscos grandes a saúde da mãe. Possibilitando também um aborto frustrado, podendo gerar deformidades ao feto, que virá a vida com deficiências que não eram pré-existentes, mas sim fruto de um aborto mal sucedido. 

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Diego Franco Bernardo Souza
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