Os problemas do cárcere feminino no Brasil e seus reflexos na essência feminina

Os problemas do cárcere feminino no Brasil e seus reflexos na essência feminina

Abordagem acerca da problemática que envolve o sistema carcerário feminino no Brasil e como tais problemas refletem na alteração da identidade feminina. O sistema prisional brasileiro em si apresenta problemas, em razão da falta de estrutura e de recursos.

Introdução 

Historicamente, há uma discrepância na realidade prisional vivida por homens e mulheres, sendo os primeiros delitos femininos confundidos com pecado e mau comportamento. As primeiras instituições adequadas para mulheres eram administrados por freiras que tinham como finalidade a correção moral.

O contexto atual, é marcado pela superlotação, falta de unidades específicas para mulheres, de estrutura e recursos.Há, assim, uma defasagem tanto em âmbito formal, como no material.Em decorrência desses fatores há uma desconfiguração da essência feminina.Portanto, a realidade negligenciada dos presídios femininos requer uma análise acerca da problemáticaexistente. É importante ressaltar queesta deve ser embasadade acordo com as perspectivas do Código Penal, da Lei de Execução Penal 7.020 (BRASIL, 1984) e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; possíveis medidas que possam alterar a situação dos presídios.      

1 Prelúdio às prisões femininas 

1.1 Contexto Histórico

Até o século XVIII poucos são os registros acerca das prisões, levando em conta a existências das penas corporais e exemplares, os suplícios (FOULCAULT, 2007) como forma de resolução dos conflitos sociais. No Brasil, os suplícios registraram-se a partir da colonização portuguesa, também como forma de implantação da cultura européia.Entretanto, o aumento populacional nas cidades resultou em um aumento de conflitos. Os delitos mais graves sofriam penalidades maiores, como morte e açoites, por exemplo, mas estas não poderiam ser aplicadas a delitos menores. Começa assim, a necessidade de locais próprios para penitência e arrependimento. Logo, surgem as cadeias e os primeiros presídios, que servem para abrigar tanto homens como mulheres, porém em celas separadas, de acordo com as possibilidades do local. As acomodações eram improvisadas e precárias.Durante anos, o baixo índice de criminalidade cometido por mulheres, contribuiu para que houvesse um descaso por parte do Estado, em relação às medidas que deveriam ser tomadas diante da situação. Somente a partir de 1920, com o aumento do número de delitos praticados por mulheres, o Estado passaria, pouco a pouco, a exercer uma maior autoridade.      

1.2 Penas

Antes das primeiras instituições, as punições destinadas às mulheres que cometiam crimes, também ocorriam através de suplícios, e eram dotados de uma punição maior; a moral. As primeiras penas dadas foram em razão de crimes considerados religiosos. As barregãs (amantes) de clérigos ou de qualquer outra pessoa religiosa; as alcoviteiras; as que se fingissem de prenhas ou que atribuíssem parto alheio como seu, foram as primeiras a serem perseguidas (SOARES; ILGENFRITZ, 2002).Assim, o feminino representava o mal da sociedade e era também vinculado ao pecado. Alguns delitos eram considerados propriamente ‘‘femininos’’ e recebiam penas menores, em razão de serem justificados como inatos à natureza feminina e provenientes de distúrbios psicológicos. Aconteciam no espaço doméstico, como infanticídios, abortos e bruxarias.Já os cometidos em espaços públicos, como embriaguez e comportamentos ociosos, eram mais criminalizáveis e penalizados com intensidade maior.

1.3 As primeiras instituições e o Código Penal de 1940

Mesmo com a regulamentação do espaço prisional, através de códigos penais que abordassem a situação das mulheres infratoras, o encarceramento feminino foi tratado como um problema moral, sendo as primeiras penitenciárias destinadas às mulheres no Brasil, administradas por religiosas.As prisões e casas de correção de mulheres se guiavam pelo modelo da casa-convento: as detentas eram tratadas como desviadas da sociedade e dos bons costumes, necessitando de cuidado e bons exemplos. A oração e os afazeres domésticos eram considerados fundamentais no processo de recuperação.O primeiro critério legal no que concerne às mulheres encarceradas foi determinado pelo Decreto Lei no 6.416/77que altera dispositivos do Código Penal, de 1940.O art. 29º do Código alterado (BRASIL, 1940, p. 1),§2º, dispõe que “As mulheres cumprem pena em estabelecimento especial, ou, à falta, em secção adequada de penitenciária ou prisão comum, (...)”, ou seja, somente em 1940 houve as primeiras medidas efetivas, referentes à acomodação.As primeiras instituições adequadas para mulheres foram a de Porto Alegre, no Rio grande do Sul, em 1937; o presídio de São Paulo e o de Bangu, inaugurados em 1942. Comumente os três eram administrados pelas freiras da Congregação das Irmãs do Bom Pastor d’Angers, que tinham como finalidade a correção moral de mulheres. Assim, por ser o crime confundido com pecado, a conversão tinha caráter de ressocialização.O método foi utilizado durante muitos anos, todavia, maus comportamentos ocasionados pelas mulheres, como por exemplo: rebeliões, violências físicas, entre outros, fizeram com que a congregação passasse a administração das prisões ao Estado.

2 Problemática estrutural 

Segundo os últimos dados do Infopen Mulheres, de junho de 2014, a população absoluta de mulheres encarceradas cresceu 567% entre os anos 2000 e 2014, chegando ao patamar de 37.380 mulheres, representando 6,4% do total encarcerado. Do total de unidades prisionais (1.420),apenas 103 são exclusivamente femininas e 239 são consideradas mistas. A diferença entre as propriamente femininas e as mistas é espantosa, visto que o ideal era haver um número menor de prisões mistas.

Os estabelecimentos penais, as estruturas internas desses espaços e as normas de convivência no cárcere quase nunca estão adaptados às necessidades da mulher, já que são sempre desenhadas sob a perspectiva do público masculino. (LANFREDI, 2014, p. 1)

Assim, não obstante a problemática estrutural, as presidiárias precisam lidar também com a escassez de recursos. Em algumas prisões, as detentas recebem um ‘kit’ básico de higiene, mas que não dura o mês todo. No entanto, há situações degradantes em que o miolo do pão velho é utilizado como absorvente. Há também o descaso em relação à saúde; se já faltam médicos, o que dirá de ginecologistas.

3 Maternidade e o cárcere

Pela Lei de Execução Penal (7.020/84), os estabelecimentos penais destinados a mulheres devem ser dotados de berçário, onde as condenadas possam cuidar de seus filhos, inclusive amamentá-los, no mínimo, até seis meses de idade. Das 1.420 unidadesprisionais citadas no capítulo 2, apenas 48 dispõem de cela ou dormitório adequado para gestantes, sendo 35 em unidades específicas para mulheres e 13 em unidades mistas (INFOPEN, 2014). A garantia de acesso à maternidade por parte das mulheres presas ainda é baixa. Por conseguinte, o sofrimento das mulheres encarceradas aumenta quando as mesmas estão grávidas, pois o deficiente regime de privação de liberdade por si só compromete o período da maternidade; seja pela falta de estrutura, seja pelo fato da separação da mãe com seu filho. 

Conclusão

Após análise de um breve contexto histórico, demonstra-se que em um primeiro momento há uma perspectiva religiosa, donde se entendia a conduta praticada pela mulher como desvirtuada. Assim, havia um projeto de “purificação das mulheres”, o que justificava a participação das freiras. Contudo, o mesmo demostrou-se ineficiente, por conta da resistência das infratoras às regras e condutas impostas. O que provocou a utilização da violência por parte das infratoras fazendo com que as religiosas perdessem o controle do ambiente prisional. Em razão disto, a congregação passou o controle da penitenciária para o Estado. Porém, apesar da mudança na administração e na legislação do Código Penal (BRASIL, 1940), não houve alterações eficazes, fazendo com que os problemas, como por exemplo, a separação de penitenciarias masculinas e femininas e a deficiência na estrutura do âmbito prisional perdurassem até os dias atuais. Assim é imprescindível a adoção de medidas que visem solucionaressas questões. Tais como: acesso a saúde enfatizando as necessidades específicas que as mulheres possuem, como o acompanhamento de ginecologistas e obstetras; adaptação dos presídios às detentas grávidas e asseguração dos seus direitos previstos na Lei de Execução Penal 7020 (BRASIL, 1984), como o direito de amamentar a criança no mínimo até seis meses; criação de mais estabelecimentos próprios para as mulheres; políticas públicas que possibilitem o reingresso no mercado de trabalho e no meio social e por fim, é fundamental o respeito ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Referências

BRASIL. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias. Brasil, jun. 2014. Infopen Mulheres. Disponível em: <https://www.justica.gov.br/noticias/relatorio-infopen-mulheres>. Acesso em: 28 out. 2016.

FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 33ºed. Petrópolis: Vozes, 2007.

LANFREDI, L. G. Brasil ainda tem déficit na garantia de direitos de mulheres presas. Brasil, jan. 2016. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em:<http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/81252-brasil-ainda-tem-deficit-na-garantia-de-direitos-de-mulheres-presas>. Acesso em: 28 out. 2016.

SOARES, Bárbara Musumeci; ILGENFRITZ, Iara. Prisioneiras: vida e violência atrás das grades. Rio de Janeiro: Garamond, 2002.

Sobre o(a) autor(a)
Vitória Régia F. Lopes
Bacharelanda em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará.
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