Contratos eletrônicos na relação de consumo

Contratos eletrônicos na relação de consumo

O comércio eletrônico avança a cada dia. Pelo menos 160 milhões de pessoas acessam a internet pelo menos uma vez ao mês na América Latina. Deve o Direito albergar este novo ramo que surge tão forte no seio da sociedade.

Introdução.



Desde épocas pretéritas a ciência jurídica é pautada por acompanhar e amparar as novas relações e negociações conquistadas pela evolução societária. Indubitável que, hodiernamente, a informática representa uma importância imprescindível à humanidade, das relações mercantis ao lazer. O computador, através da internet, possibilita que o consumidor adquira passagens aéreas, de teatro, de cinema, realize compras em supermercados e transações de somas relevantes no âmbito financeiro, tanto no país quanto no exterior. Até a escolha e a aquisição de um automóvel pode ser realizada via internet.

O comércio eletrônico avança a cada dia. Pelo menos 160 milhões de pessoas acessam a internet pelo menos uma vez ao mês na América Latina. Deste total 90% dos internautas são brasileiros. Destarte, não pela tradição, mas sim pela necessidade, deve o Direito albergar este novo ramo que surge tão forte no seio da sociedade, gerando obrigações e deveres de todas as espécies.

À margem de algumas críticas e ceticismos já se desponta uma novel disciplina autônoma do Direito, que objetiva tratar das relações entre o próprio Direito e a Informática, trata-se do "Direito Informático" ou "Direito Eletrônico" para alguns. O Direito Informático é complexo, justamente por ser amplo, abrangendo o conjunto de normas, aplicações, processos e relações jurídicas que surgem como conseqüência da aplicação e desenvolvimento da informática, e não tão-somente ao direito delimitado pela "Informática Jurídica", que é a ciência que estuda a utilização de aparatos e elementos físicos eletrônicos no âmbito jurídico.

Segundo o doutor Mário Antônio Lobato de Paiva (RJC 122/54), o Direito Informático é o “conjunto de normas e instituições jurídicas que pretendem regular aquele uso dos sistemas de computador – como meio e como fim- que podem incidir nos bens jurídicos dos membros da sociedade; as relações derivadas da criação, uso, modificação, alteração e reprodução do software; o comércio eletrônico, e as relações humanas realizadas de maneira 'sui generis' nas redes, em redes ou via internet.”


2. Contrato Eletrônico.



Nossa temática circunda sobre os contratos eletrônicos, todavia, antes de prosseguirmos salutar fazer um breve adendo sobre o que seja "contrato", sem, contudo, pretendermos analisá-lo. A conceituação dos Contratos apresenta divergências na doutrina pátria e alienígena, no entanto, têm-se aceito com relativa pacificação o conceito de que o contrato é “o acordo de duas ou mais pessoas para, entre si, constituir, regular ou extinguir uma relação jurídica de natureza patrimonial” (Fran Martins, 2001, p. 62).

Este conceito genérico recebe uma delimitação comercial e civil. O contrato civil é aquele praticado por qualquer pessoa que seja capaz, conforme dispõe o Estatuto Civil. Já o contrato comercial é aquele praticado por comerciante no exercício de sua profissão, cujo objeto é um ato do comércio.

Os contratos possuem elementos peculiares como: a sua formação, as obrigações que originam, as vantagens que podem trazer às partes, a realidade da contraprestação, o obedecimento de seus requisitos formais, sua execução, sua regulamentação legal, etc. Diante destes elementos há uma arraigada classificação como se são consensuais e reais, unilaterais ou bilaterais, gratuitos ou onerosos, comutativos ou aleatórios, solenes ou não-solenes, principais e acessórios, típicos ou atípicos, etc.

O contrato eletrônico também exige os elementos acima, pois não consistem numa nova modalidade contratual, mas sim, numa nova forma de sua celebração. Ele se destaca justamente por ser um contrato celebrado à distância, fora do estabelecimento comercial. O professor português Mário Frota (RJC 107/22) afirma que o "contrato celebrado à distância define-se como 'qualquer contrato relativo a bens e serviços celebrados entre um fornecedor e um consumidor, que se integre num sistema de venda ou prestação de serviço à distância organizado pelo fornecedor que, por esse contrato, utilize exclusivamente uma ou mais técnicas de comunicação a distância até a celebração do contrato incluindo a própria celebração".

Salientamos ainda que as principais características do contrato celebrado à distancia consistem em sua desmaterialização, sua complexidade, a simultaneidade devido a sua virtual realização, e sua autonomia. Por óbvio que entre as técnicas de comunicação do contrato celebrado à distância está o computador e a internet, pacificando a existência de um contrato eletrônico que também é um "acordo de duas ou mais pessoas para, entre si, constituir, regular ou extinguir uma relação jurídica de natureza patrimonial."

Derradeiramente, o contrato eletrônico pode ser classificado como interpessoal, que se dá, v. g., via e-mail, equiparando-se à contratação via correspondência, onde o suporte físico do papel é substituído pela comunicação virtual, eletrônica. O interativo, ou seja, aquele que "resulta numa relação de comunicação estabelecida entre uma pessoa e um sistema previamente programado" (Verônica Toyoda, Contratos eletrônicos: aspectos gerais. 2002, p. 1049).

Por fim, há a contratação intersistêmica, que é aquela ocorrida sem a presença da ação humana, mas tão-somente entre aplicativos que foram previamente programados. Há ainda os contratos eletrônicos diretos, que tão logo acordado a relação de consumo o contrato é executado, como ocorre no caso do download de software. E há o contrato eletrônico indireto, que após transacionado o bem, deve-se aguardar o seu fornecimento no modo físico, como ocorre no caso de aquisição de um livro via internet, onde o seu recebimento geralmente dá-se via correio.


3. Validade do documento eletrônico.



O crescimento do mercado envolvido no comércio eletrônico e a celebração de contratos no âmbito nacional e internacional, exalta uma questão de imprescindível importância que é a relativa à validade do documento que é o contrato eletrônico. Temos que dois requisitos são indispensáveis à validação de tal contrato: a imutabilidade de seu conteúdo, evitando-se por conseguinte a insegurança contratual que oriundaria de sua maléfica mutabilidade por terceiro ou por ato unilateral, e a perfeita identificação das partes.

Relevante destacar que o contrato eletrônico marca-se por ser realizado sem o contato entre as partes. Nem mesmo há a pessoalidade no uso do mesmo computador entre fornecedor e consumidor, uma vez que ambos podem utilizar aparelho diverso da sede/filial do fornecedor ou da residência/domicílio do consumidor, o que sem dúvida gera certa insegurança, uma vez que o consumidor pode acabar sendo ludibriado por um hacker que acessa um fornecedor idôneo, obtendo informações valiosas, tais como número de cartões de crédito, senhas e demais informações que podem lesar o consumidor culto e o ingênuo. Por tais motivos, para se propiciar uma maior segurança é que já se discute e já se torna viável a assinatura digital por meio de criptografia assimétrica (chaves públicas), evitando a má-fé de terceiros/hackers.

Somente com a certificação eletrônica será possível garantir a autenticidade e a veracidade dum documento eletrônico. As relações virtuais e seus efeitos já são uma realidade, assim, a assinatura digital de contratos eletrônicos consiste, em nosso singelo entender, no único caminho de se dar validade jurídica a um contrato celebrado entre um fornecedor e um consumidor pela internet.

Felizmente, percebemos que os grandes sites que destinam produtos ao consumidor de modo geral possuem mecanismos criptográficos capazes de possibilitarem uma maior segurança jurídica à relação de consumo. De ressaltar também que em 28 de junho de 2001 o Presidente baixou a Medida Provisória n.º 2.200 instituindo a infra-estrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP - Brasil, disciplinando a integridade, autenticidade e validade dos documentos eletrônicos, consistindo num considerável passo para a questão em destaque, mas que ainda é merecedora de uma maior dedicação legislativa.


4. Legislação vigente



Não há no país uma legislação adequada específica à matéria, de forma que devemos socorrer-nos ao ordenamento jurídico atual na busca de dispositivos legais capazes de dirimir os potenciais conflitos atinentes à temática. Entendemos que dois pontos merecem destaque, o primeiro deve-se quanto a validação do contrato eletrônico, o qual já tecemos breve comentário acima. Um segundo ponto que merece comentário é quanto a competência para dirimir judicialmente os conflitos oriundos do inadimplemento do contrato eletrônico internacional.

Verificamos que a Constituição Cidadã, em seu artigo 5º, inciso XXXII, prevê a proteção estatal do consumidor através de lei ordinária, que é o Código de Defesa do Consumidor-CDC (Lei n.º 8.078/90). Embora realizada de modo diverso do até então amplamente utilizado, as relações de consumo firmadas através de contrato eletrônico também se submetem à aplicação do CDC.

Em caso de inadimplência do contrato eletrônico através, v. g., da existência de vícios, entendemos ser perfeitamente aplicável o disposto no art. 9º da LICC, de forma que a obrigação deverá ser processada segundo a égide do CDC, atendendo ainda o contido no inciso II do art. 88 do CPC, que preceitua que a obrigação deve ser cumprida no Brasil. O próprio CDC em seu art. 101 é taxativo em afirmar que o consumidor pode optar onde prefere propor a ação contra o fornecedor, ou seja, pode ajuizá-la no Brasil e executá-la segundo os limites da lei alienígena, ou já ingressar no juízo estrangeiro.

De qualquer forma, inegável que há muitas lacunas que o Direito Informático deverá colmatar para que os contratos eletrônicos sejam mais seguros, tanto na confiabilidade de sua celebração, quanto na certeza de sua efetiva execução.

A questão não é simples por se tratar de uma área que envolve fornecedores e consumidores nacionais e internacionais necessitando, portanto, de uma solução conjunta entre os países e entre os fornecedores de alta tecnologia na seara da informática para que, num futuro próximo, consigamos realizar contratações eletrônicas sem a preocupação de estarmos sendo "observados" por um hacker ou de termos o contrato inadimplido por que o fornecedor ou o consumidor utilizam a sua lei como escusa a tal.
Sobre o(a) autor(a)
Alexandre Sturion de Paula
Mestre em Direito Processual Civil pela UEL.
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